O Arcano da Fé, da aspiração Espiritual
Um homem está suspenso, pelo pé, numa trave de madeira que se apoia em duas árvores podadas. Os dois suportes são amarelos e cada um conserva seis tocos da poda, pintados de vermelho; terminam em forquilha, sobre as quais repousa o pau superior. São verdes as duas bases das quais nascem as árvores da provação, e nos quais brotam plantas de quatro folhas. A corda curta que suspende o homem desce do centro da barra transversal.
O personagem veste uma jaqueta terminada em saiote marcado por duas meias-luas, à direita e à esquerda, que podem ser bolsos. O cinto e o colarinho da jaqueta são brancos, assim como os dez (ou nove) botões – seis acima e quatro (ou três) abaixo da cintura. A cabeça do Enforcado encontra-se no nível da base das árvores. Suas mãos estão ocultas atrás da cintura. Naturalmente, a perna pela qual está suspenso – a esquerda – permanece esticada, enquanto que a outra está dobrada na altura do joelho, cruzando por trás a perna esquerda.
Significados simbólicos
Abnegação. Aceitação do destino ou do sacrifício.
Provas iniciáticas. Retificação do conhecimento. Gestação. Exemplo, ensino, lição pública.
Interpretações usuais na cartomancia
Desinteresse, esquecimento de si mesmo. Submissão ao dever, sonhos generosos. Patriotismo, apostolado. Filantropia, entrega a uma causa. Sacrifício pessoal. Ideias voltadas para o futuro. Semente.
Mudança de vida, iniciação, abertura espiritual, sacrifício por algo valioso. Paz interior, nova visão do mundo.
Mental: Possibilidades diversificadas, flutuações. Indica coisas em processo de amadurecimento; não define nem conclui nada.
Emocional: Falta de clareza, indecisão, particularmente no campo afetivo.
Físico: Abandono de algumas coisas, renúncias, projetos duvidosos. Impedimento momentâneo para a ação. Um assunto iniciado é abandonado e só poderá ser resolvido através de uma ajuda. Do ponto de vista da saúde: transtornos circulatórios.
Desafios e sombra: Êxito possível, mas parcial, sem satisfação nem prazer, sobretudo em projetos de ordem sentimental.
Reticências, planos ocultos. Resoluções acertadas, mas que não se executam; projetos abortados; plano bem concebido que fica na teoria. Promessas não cumpridas, amor não correspondido. Impotência. Perdas. Autorrenúncia, passividade. Risco de bons sentimentos serem desviados para ações condenáveis.
História e iconografia
Em 1591 – tomando como testemunho a História Eclesiástica de Eusébio – Galônio descreveu as torturas sofridas pelos mártires dos primeiros séculos da cristandade. “As mulheres cristãs – escreve – eram frequentemente suspensas pelo pé durante todo um dia, e os algozes faziam de tal modo que suas partes mais íntimas ficavam a descoberto, de maneira a mostrar o maior desprezo possível à santa religião de Cristo”.
A suspensão pelo pé foi amplamente executada pelos supliciadores romanos e há testemunhos também de vítimas medievais. Uma canção de gesta do século XIII informa que este castigo foi aplicado a um trovador por um dos duques de Brabante, quando este o surpreendeu em diálogo mais que musical com a duquesa.
Mas o enforcamento pelo pescoço, mortal, tem histórias mais remotas e, no caso de Judas, trata-se de um gesto autoimposto na sequência do sacrifício que fez para que se cumprissem as profecias.
Uma tradição que vem dos primórdios da Igreja cristã é a de que um outro apóstolo, Pedro, teria insistido em ser crucificado de cabeça para baixo por não se sentir digno de reproduzir o suplício de Cristo.
No que diz respeito às artes gráficas, há inúmeras miniaturas dos séculos XIII e XIV com reproduções de santos e mártires pregados pelos pés a uma barra elevada. Mas é preciso chegar aos fins do século XV para descobrir uma imagem análoga à do Enforcado do Tarô.
De outro ponto de vista, pode-se dizer que a Antiguidade nos deixou vários testemunhos de figuras invertidas que em nenhum caso poderiam ser ligadas ao suplício.
Essa postura é adotada com frequência por divindades nuas assírio-babilônicas, nos cilindros de argila que reproduzem cenas de conjunto.
É possível imaginar que as deusas nesta posição significavam outra coisa: propunham uma leitura ritual que, agora, parece absurda ou incompreensível.
Alguns estudiosos lembram, a esse respeito, os ensinamentos que atribuem ao homem o papel de estabelecer a ligação entre o Céu e a Terra, num espaço definido que o preserva de influências e contaminações. “Toda suspensão no espaço participa do isolamento místico, sem dúvida relacionado à ideia de levitação e de vôo onírico”.
Muitas lendas, de diferentes origens, atribuem aos enforcados características mágicas e os dotam de vidência e mediunidade.
Para Wirth, interessado pelo simbolismo iniciático, o protagonista do Arcano XII é homólogo ao do Prestidigitador (I), já que também inicia uma das vias, mas partindo do extremo oposto. Vê, assim, o Pendurado como o princípio de intuição pelo qual o ser humano pode alcançar um resplendor de divindade: como colaborador da grande obra que mudará para o bem a carga negativa do universo; como a vítima sacrifical para a redenção.
Atribuem-se ainda, ao arcano, virtudes divinatórias e telepáticas; é com frequência relacionado com a arte e a utopia. Alguns o veem como arcano possessivo, mas é necessário compreendê-lo num sentido puramente idealista, como manifestação de amor que carece de objeto individual (amor ao próximo).
Uma especulação interessante pode ser feita partir de seu número na ordem do Tarô, que o relaciona ao décimo-segundo signo do zodíacao, Peixes, ou ainda ao conjunto do simbolismo zodiacal e ao dodecadenário: os doze signos e os doze meses do ano, os doze apóstolos, as doze tribos de Israel…
Fontes
Alberto Cousté, O Tarô ou a máquina de imaginar. Rio, Ed. Labor, 1977. (Fonte básica para a descrição inicial dos 22 arcanos maiores e para o ítem História e Iconografia)
Anônimo (Valentin Tomberg), Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo, Ed. Paulinas. (O subtítulo da tradução espanhola (Herder, 1987) foi copiado nesta compilação)
Paul Marteau, O Tarô de Marselha. São Paulo, Ed. Objetiva, 1991. (Essa obra serviu de base para o ítem Interpretações usuais na cartomancia)
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