Publicado por Constantino K. Riemma

O Arcano da Inspiração e da Alquimia

Um anjo com rosto feminino derrama o conteúdo de um vaso em outro. O personagem é visto de frente, com o rosto ligeiramente inclinado para a esquerda e para baixo, e o tronco voltado na mesma posição. Sua vestimenta tem várias cores: azul, de cada lado do corpete, e na metade esquerda da saia; vermelho, nas mangas e na outra parte da saia. As asas são azuis (ou cor de pele, na edição Grimaud). Os pés permanecem ocultos pelas pregas da saia.

A flor no topo da cabeça, o botão amarelo no meio do peito (ou um panejamento dourado, em outras versões), salientam chacras ativos do personagem. Três linhas onduladas unem os vasos que o anjo segura; o líquido derramado pode representar as energias em transmutação. Na edição Camoin (ilustração ao lado), a barra do vestido, em amarelo, representaria serpentes entrelaçadas, sob controle do anjo, aos seus pés. Ou seja, representa seu vínculo com a circulação das energias em diferentes níveis de manifestação.

14. A Temperança
Cartas do Tarô Visconti Sforza (1451), Marselha (1750) e Wirth (1927)

Significados simbólicos

A elaboração cuidadosa das polaridades. A transmutação dos elementos e a alquimia.

Renovação da vida, abertura às influências celestes, circulação, adaptação, flexibilidade.

Serenidade. Harmonia. Equilíbrio.

Interpretações usuais na cartomancia

Tolerância, paciência, praticidade, felicidade. Aceitação dos acontecimentos, flexibilidade para adaptar-se às circunstâncias. Educação, trato social. Caráter elástico para enfrentar as transformações. Temperamento descuidado.

Mental: Espírito de conciliação, ausência de paixões no julgamento; dá o sentido profundo às coisas, na medida em que representa um princípio eterno de moderação. Exclui a rigidez, o emperramento. Corresponde à disposição de flexibilidade e de maleabilidade.

Emocional: Os seres se reconhecem e se encontram por suas afinidades. Sob a influência desta carta são felizes, mas não evoluem e não conseguirão se livrar um do outro.

Físico: Conciliação nos negócios, atividades e empreendimentos. Dá estímulo para pesar os prós e contras, encontrar a maneira de estabelecer um compromisso, mas sem preocupações se o empreendimento será ou não coroado de êxito. Reflexão, decisão que não pode ser tomada de imediato.
Do ponto de vista da saúde: enfermidade difícil de curar, porque se alimenta de si mesma.

Desafios e sombra: Desordem, discordâncias. Indiferença. Falta de personalidade, passividade. Inconstância, humor irregular, desequilíbrio. Tendência a se deixar levar pela corrente, submissão à moda e aos preconceitos. Resultados não conformes às aspirações. Derramamento, saída, fluxo involuntário. As coisas seguem o seu curso.

História e iconografia do arcano da Temperança

A mulher que derrama líquido é uma alegoria muito comum durante a Idade Média para representar a virtude da temperança: supunha-se que misturava água no vinho para diminuir os seus efeitos. Curiosamente, a mesma imagem serviu durante os primeiros séculos do cristianismo para ilustrar o contrário: o milagre das bodas de Caná, onde – por ordem de Jesus – a água se transforma em vinho.

Temperance, Pedro del Pollaiuolo, 1470
Temperance, Pedro del Pollaiuolo, 1470 www.aiwaz.net

Com outros significados pode ser encontrada nos versos de Horácio: “O cântaro reterá por longo tempo o perfume que o encheu pela primeira vez”.

Mistura de anjo e mulher, A Temperança evocou sempre, para os investigadores do Tarô, o mito do hermafrodita. Tema recorrente e vastíssimo, por um de seus aspectos – que é o que aqui interessa – a androginia tem sido considerada desde tempos antigos como premonição feliz. Isto faz da Temperança uma carta amável, do ponto de vista adivinhatório, cuja presença alivia a densidade do oráculo.

Arcano de reunião, e portanto de equilíbrio – a coniunctio oppositorum, em sua fase anterior à bissexualidade – onde o derramar do líquido já foi interpretado como metáfora das transformações: a passagem do espiritual ao físico, do sentimento à razão.

Do ponto de vista astrológico está em paralelo com as representações aquarianas, que por sua vez guardam correspondência com o simbolismo de Indra, divindade hindu da purificação.

Wirth relaciona a androginia da Temperança ao quinto ternário do Tarô, que provém da morte assexuada (XIII) e culmina no Diabo bissexual (XV). É preciso assinalar também sua localização como último termo do segundo setenário, que corresponde à Alma ou psique, plano da personalidade fluente, flexível e instável na natureza, relacionada às águas em quase todas as teofanias, assim como o Espírito é associado à luz (fogo, ar) e o Corpo à terra.

O derramamento entre vasos gêmeos e opostos levam, por outro lado, as especulações sobre os prodígios terapêuticos: o Arcano XIIII é claramente o curador, o agente reparador e reconstituinte, aquele que verte harmonia universal sobre o desequilíbrio individual. Como o Eremita, lembra os médicos, curandeiros e charlatães; mais ainda, lembra conselheiros, confessores e terapeutas.

A Temperança pode ser vista, ainda, no contexto do inesgotável simbolismo aquático, pois se refere à matéria unívoca (o oceano primordial), à corrente circulatória que mantém a vida (chuva, seiva, leite, sangue, sêmen), à mãe (meio aquoso no plano pré-natal) e às imersões como rito de morte e ressurreição (batismo).

Fontes

Alberto Cousté, O Tarô ou a máquina de imaginar. Rio, Ed. Labor, 1977. (Fonte básica para a descrição inicial dos 22 arcanos maiores e para o ítem História e Iconografia)

Anônimo (Valentin Tomberg), Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo, Ed. Paulinas. (O subtítulo da tradução espanhola (Herder, 1987) foi copiado nesta compilação)

Paul Marteau, O Tarô de Marselha. São Paulo, Ed. Objetiva, 1991. (Essa obra serviu de base para o ítem Interpretações usuais na cartomancia)

Outros estudos sobre A Temperança

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