Publicado por Constantino K. Riemma

O Arcano da Esperança, do Crescimento e da Mãe do futuro

Uma mulher com um joelho apoiado no chão tem uma jarra em cada mão, derrama o conteúdo de uma delas numa superfície de água (rio ou lago) e, da outra, na terra. No céu há oito estrelas. A mulher é jovem e está completamente nua; seus cabelos caem livremente sobre as suas costas e ombros. O joelho que está apoiado no chão é o esquerdo; a ponta do pé direito está em contato com a água. Representada ligeiramente de três quartos, seu olhar parece ignorar o trabalho que realiza.

Do chão brota uma planta com três folhas e, um pouco mais atrás, dois arbustos diferentes se destacam contra um céu incolor; sobre o que se encontra à direita da mulher um pássaro negro de asas abertas parece estar pousado ou a ponto de levantar voo. No céu podem ser vistas duas estrelas de sete pontas e cinco estrelas de oito pontas. Estão dispostas simetricamente em volta de uma estrela muito maior, que tem dezesseis pontas, oito amarelas e oito vermelhas.

17. A Estrela
Cartas do Tarô Visconti Sforza (1451), Marselha (1750) e Wirth (1927)

Significados simbólicos

Esperança, confiança. Idealismo. Imortalidade. Plenitude. Beleza. Natureza.

O céu da alma. Influência moral da ideia sobre as formas.

Interpretações usuais na cartomancia

Pureza, entrega às influências naturais, sadias. Confiança no destino. Plenitude e sensibilidade poética, intuição. Bondade, espírito compassivo. Energia, convalescença.

Mental: Alguém traz uma força para ser utilizada, mas não diretamente. É a inspiração do que deve ser feito.

Emocional: Uma corrente de equilíbrio e de esplendor.

Físico: A satisfação, o amor humano em toda a sua beleza; o destino dos sentimentos que animam o ser. Realização das coisas através da ordem e da harmonia.
Em questões referentes à arte, esta carta fala do dom de encantamento, ou seja, o resplendor que atrai o próximo.

Desafios e sombra: Harmonia desviada de seu objetivo inicial; estabilidade física pouco duradoura; falta de atetnção; descuido e displicência.
Falta de vergonha, despudor, leviandade. Falta de espontaneidade. Coações, moléstias. Natureza artificial e anti-higiênica.
Tendência para a evasão e para o romantismo exagerado. Falta de aptidão para a vida prática. Estreiteza de visão, doenças.

Ilustração in Andrea Vitali
Ilustração in Andrea Vitali www.www.letarot.it

História e iconografia

O número de estrelas representadas neste arcano varia, segundo o modelo do Tarô, de seis a oito. Astronomicamente, parece referir à constelação das Plêiades (uma estrela grande, rodeada de sete menores) ou ao setenário sideral com o Sol no centro.

“Fala-se de sete Plêiades – disse o sutil Ovídio – mas na verdade não vemos mais que seis.”

Devido à reprodução quase textual da alegoria do signo de Aquário , muitos vêem no Arcano XVII uma herança zodiacal. Mas van Rijneberk nota, com razão, que tanto este signo bem como suas alegorias das correntes de água, foram tradicionalmente representados com figuras masculinas.

Representação de Aquário Ganimedes
Representação de Aquário Ganimedes, o mais belo mortal, levado por Zeus ao Olimpo, para ser escanção (= servidor de vinho) dos deuses.

Outra diferença entre a carta e seu pretendido modelo é o número de ânforas: tanto Aquário quanto os seus similares alegóricos (que incluem representações do Dilúvio) transportam um só recipiente.

É possível, desse modo, atribuir à Estrela uma relativa originalidade, o que permite supor que a frequente mudança de sexo de Aquário, em imagens posteriores ao século XVI, teria se inspirado no Tarô.

No verbete dedicado a este signo zodiacal no seu Dicionário de Símbolos, Juan-Eduardo Cirlot passa uma informação que vale a pena citar:

“No zodíaco egípcio de Denderáh o homem de Aquário dispõe de duas ânforas, troca que explica melhor a transmissão dupla das forças, em seus aspectos ativo e passivo, evolutivo e involutivo, duplicidade que aparece substantiva no grande símbolo de Gêmeos”.

Uma fonte menos provável, mas não impossível, da iconografia desta estampa pode ser encontrada no Livro do Apocalipse (XVI, 3, 12): ali é dito que os sete anjos derramarão suas taças sobre o solo e o ar, mas sobretudo sobre os cursos d’água.

A estrela – individual e guia; sinal da divindade sobre o céu do herói – é um emblema comum a diversas mitologias. Delas passa para a tradição e a arte cristãs, e na atualidade pode ser encontrada em numerosas manifestações folclóricas no seu sentido alegórico mais transparente: a pureza, o destino prometido, a elevação.

São João Crisóstomo (Patrística grega, tomo LVI) parece ter recolhido a seguinte lenda: um povo oriental, do qual só sabemos que vivia perto do oceano e que tinha entre as suas tradições um livro atribuído a Set, escolheu em época remota doze homens dentre os mais sábios, cuja missão era única e surpreendente: vigiar o nascimento de uma estrela que o livro previa; se algum deles morria, seu filho ou parente mais próximo era eleito para substituí-lo. Mantiveram este rito durante gerações, até que a estrela da sorte apareceu no horizonte: três deles foram então encarregados de segui-la, o que fizeram por dois anos, durante os quais nunca lhes faltou bebida nem comida.

“O que fizeram depois – conclui o curioso pergaminho – é explicado de forma resumida nos Evangelhos.”

Quanto ao arbusto que aparece à esquerda, Wirth acredita que seja uma acácia, “mimosa do deserto, cujo verdor persistente simboliza uma vida que se recusa a extinguir-se”. O prestígio mítico da acácia é tão vasto quanto intrincado: além de ser a planta emblemática da esperança na imortalidade, é também protagonista de histórias notáveis: entre suas raízes teria sido enterrado Hiram Abiff — o lendário mestre dos construtores do templo de Salomão e detentor da tradição perdida — depois de ser assassinado; da sua madeira teria sido construída a cruz de Jesus Cristo.

Podemos acrescentar que a jovem da figura lembra o princípio feminino de certos ritos primordiais, “a mãe sempre jovem, a consoladora, a clemente, a natureza amável e bela, a terna amante dos homens”. É sob este aspecto que os oráculos tendem a relacioná-la à juventude e ao bom humor, ao sonho e às suas revelações, e à realidade da poesia.

Fulcanelli acrescenta ainda o duplo sentido simbólico da estrela, como concepção e nascimento, e faz uma bela descrição de um vitral da sacristia de Saint-Jean de Rouen, onde estão representados Benito e Felicitas, pais de São Romão; os esposos estão deitados na cama totalmente nus; sobre o ventre da mulher, que acaba talvez de conceber o santo, pode-se ver uma estrela.

Fontes

Alberto Cousté, O Tarô ou a máquina de imaginar. Rio, Ed. Labor, 1977. (Fonte básica para a descrição inicial dos 22 arcanos maiores e para o ítem História e Iconografia)

Anônimo (Valentin Tomberg), Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo, Ed. Paulinas. (O subtítulo da tradução espanhola (Herder, 1987) foi copiado nesta compilação)

Paul Marteau, O Tarô de Marselha. São Paulo, Ed. Objetiva, 1991. (Essa obra serviu de base para o ítem Interpretações usuais na cartomancia)

Outros estudos sobre A Estrela

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