6. Os Namorados ou Os Enamorados ou Os Amantes

Publicado por Constantino K. Riemma

O Arcano da Iniciação, da Castidade e do Livre arbítrio

Um homem, entre duas mulheres, é visado por uma flecha que parece pronta para ser disparada por um anjo, Cupido, à frente de um disco solar.

O homem, no centro do grupo, olha para a mulher da esquerda. Ele tem cabelos louros, as pernas descobertas, e sua vestimenta é uma túnica de listas verticais, com um cinto amarelo, sobre o qual se apoia a sua mão direita.

A mulher da direita, com os cabelos louros soltos sobre os ombros, tem um rosto jovem, fino. A mão esquerda está pousada sobre o peito do homem. Já o seu braço direito, conforme é muitas vezes descrito, aponta para baixo, de modo que seus braços parecem cruzados. Mas esse braço a altura de seu ventre pode, também, ser descrito como sendo do homem.

A outra mulher, a da esquerda, está representada de costas, mas o rosto aparece de perfil. Tem cabelos que escapam livremente de um curioso chapéu. Dirige a mão direita para a terra e pousa a esquerda sobre o ombro do jovem.

O anjo, de cabelos louros e asas azuis, segura uma flecha branca com uma das mãos enquanto com a outra segura um arco da mesma cor.

Do disco solar surgem 24 raios pontiagudos, um dos quais é superposto pela asa do anjo.

6. Os Namorados ou Os Enamorados ou Os Amantes
Cartas do Tarô Visconti Sforza (1451), Marselha (1750) e Wirth (1927)

Significados simbólicos

Envolvimento afetivo, disposição amorosa, sentimentos.

Matrimônio, ligação, união. Integração de ambos os sexos ao poder gerador do universo.

Livre arbítrio, escolha. Maioridade. Prova.
Encadeamento, combinação, equilíbrio, enredo, abraço. Luta, antagonismo.

Interpretações usuais na cartomancia

Decisão, escolha por vontade própria. Votos, aspirações, desejos. Exame, deliberações, responsabilidades. Afetos.

É a carta da união e do matrimônio. Pode representar para os consulentes de ambos os sexos a iminência de uma escolha a ser realizada.

Mental: Amor pelas belas formas e pelas artes plásticas.

Emocional: Dedicação e sacrifícios.

Físico: Os desejos, o amor, o sacrifício pela pátria ou pelos ideais sociais, assim como todos os sentimentos manifestados fortemente no plano físico.

Desafios e sombra: Dúvida, indecisão, impotência. Má conduta, infidelidade, libertinagem. Debilidade, falta de prumo.
Ruptura, separação, divórcio, desordem. Prova a ser vivida. Tentações perigosas, risco de ser seduzido.

O detalhe dos braços da mulher

Nas descrições do tarô clássico fica muitas vezes uma dúvida com relação ao braço na altura do ventre da mulher da direita. O braço é dela ou do homem que se encontra no centro da carta? De fato, nas xilogravuras antigas os traços não são nítidos e a avaliação dependerá em grande parte do modo como a estampa foi colorida, conforme poderá ser apreciado nos exemplos abaixo:Detalhes dos Braços

No tarô de Marselha da editora Grimaud (1760) as mangas brancas da mulher dão a entender que é dela o braço em questão, embora o perfil da mão só pudesse ser a do personagem masculino. Já no jogo restaurado em 1998 por Camoin e Jodorowsky (a primeira ilustração no alto da página), o homem e a mulher têm mangas azuis e, assim, a ambiguidade persiste. Apenas na versão do tarô de Marselha restaurado por Kris Hadar, o tarólogo altera o detalhe no encontro dos ombros dos dois personagens e faz com que a cor amarela da manga marque o braço como sendo do homem. Ou seja, como é comum na história das cartas, as questões persistem…

História e iconografia

Em vasos e quadros da época romana, encontra-se com frequência a imagem de um casal de namorados ante uma terceira pessoa ou elemento (em geral um Cupido).

O Arcano VI parece referir-se de forma alegórica a uma ideia diferente: a famosa parábola de Hércules na encruzilhada entre a Virtude e o Vicio, tal como conta Xenofonte nas suas lembranças de Sócrates. É bem provável que esta parábola – e suas variantes, como a de Luciano, o Jovem, disputado pela Arte e pela Ciência, entre as mais conhecidas– tenha sido popular na Idade Média, visto que é citada por vários autores dessa época (Cícero, no Tratado dos Deveres; São Basílio, no seu Discurso aos Jovens).

A idéia fundamental deste tema – ou seja, a necessidade de escolha entre dois caminhos – encontra-se igualmente em muitas imagens cristãs. Pode-se citar como exemplo uma miniatura bizantina do século X, onde Davi está representado entre duas mulheres que simbolizam a Sabedoria e a Profecia: a pomba que pousa sobre a cabeça do rei lembra em muito o Cupido do Arcano VI.

Davi, entre a Sabedoria e a Profecia
Davi, entre a Sabedoria e a Profecia

A antiguidade desta parábola é indiscutível, mesmo que as suas representações gráficas mais remotas não tenham chegado até nos. Na vida de Apolônio de Tiana, narrada por Filostrates no final do século II, há uma curiosa passagem em que um sábio egípcio diz a Apolônio:

“Tu conheces, nos livros de imagens, a representação de Hércules em que ele, jovem, ainda não escolheu o seu caminho. O Vício e a Virtude o rodeiam, tentam atraí-lo, cada um o quer para si…”

É preciso remontar mais uma vez aos pitagóricos para encontrar o simbolismo gráfico do tema, representado entre eles pela letra Y, emblema da escolha vital que todo homem realiza no final da infância.

O traço da metade inferior da letra Y representaria precisamente a infância, isenta de vícios ou virtudes; os braços que partem da bifurcação da letra representariam cada uma dessas tendências, enquanto que o ponto onde a bifurcação se produz seria o momento exato em que a puberdade se manifesta.

É comum encontrar nos manuscritos medievais esta referência à letra Y: “bifurcação, ou letra de Pitágoras”. Não é casual, assim, que alguns desenhos modernos do Tarô mencionem esta lâmina como A Dúvida ou A Prova.

Esse mesmo significado é mencionado no Antigo Testamento – no Deuteronômio, no primeiro dos Salmos, e mais explicitamente ainda em Jeremias. A ideia não reaparece no Novo Testamento, mas sim no começo dos Ensinamentos dos Doze Apóstolos, texto não canônico, presumivelmente composto por volta do século II: “Dois são os caminhos; um leva à Vida e outro à Morte”.

Uma interpretação totalmente diferente vê nessa estampa o ato do compromisso matrimonial dos noivos diante do sacerdote, ou seja, a cerimônia matrimônio enquanto sacramento. É o caso de alguns dos
célebres pintores renascentistas – Rafael, Perugino – deram testemunho dessa cerimônia na vida da Virgem.

Wirth vê no Enamorado a primeira fase individual da trajetória iniciática, quando o homem terminou a sua formação, mas não começou ainda o seu trabalho.

Outra vertente de interpretação menciona o simbolismo sexual do “senário”, partindo do sentido literal do nome da Carta.

“Entre os pitagóricos – disse Clemente de Alexandria – o seis é um numero sexual, chamando-se por esta razão O Matrimônio”.

Nas analogias geométricas, o Enamorado se identifica ao selo de Salomão, ou seja, tem claro vínculo com cópula dos triângulos entrelaçados.

Selo de Salomão
Selo de Salomão

Do ponto do vista psicológico, é sem dúvida a metáfora mais transparente do caminho para a identidade, que apenas se realiza no conflito e no intercâmbio com o mundo e com os outros.

Fontes

Alberto Cousté, O Tarô ou a máquina de imaginar. Rio, Ed. Labor, 1977. (Fonte básica para a descrição inicial dos 22 arcanos maiores e para o ítem História e Iconografia)

Anônimo (Valentin Tomberg), Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo, Ed. Paulinas. (O subtítulo da tradução espanhola (Herder, 1987) foi copiado nesta compilação)

Paul Marteau, O Tarô de Marselha. São Paulo, Ed. Objetiva, 1991. (Essa obra serviu de base para o ítem Interpretações usuais na cartomancia)

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