Em uma entrevista concedida na FLIP, em agosto de 2010, Ferreira Gullar que completava 80 anos de vida, comentou “Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo. A arte existe porque a vida não basta”. [Crédito: Luciano Trigo, do G1, em Paraty].
Para o historiador polonês Wladyslaw Tatarkiewicz “a arte é uma atividade humana, consciente, dirigida à reprodução de coisas ou construção de formas ou expressão de experiências, se o produto dessa reprodução, construção ou expressão é capaz de suscitar prazer ou emoção ou choque”.
A arte é um tipo de comunicação que acompanha a humanidade desde os primórdios dos tempos. Já na época das cavernas os seres humanos se comunicavam por meio dela, a chamada arte rupestre. Atualmente, classifica-se a arte em onze tipos de manifestações artísticas: música, dança, pintura, escultura, teatro, literatura, cinema, fotografia, história em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos e arte digital.
Vivemos em um mundo em que tudo parece ter obrigatoriamente uma funcionalidade bem como uma finalidade, em que tudo parece ter que nos conduzir a bons resultados, a uma ideia de sucesso sempre relacionada a grandes quantidades de dinheiro, status e fama. Sob essa ótica, a arte pode parecer deslocada: qual é a função, afinal, de contemplar obras de arte, assistir filmes cult, ouvir música clássica e ler poesias – por exemplo?
A “Poesia” é um gênero literário caracterizado pela composição em versos estruturados de forma harmoniosa. É uma manifestação de beleza e estética retratada pelo poeta em forma de palavras. A poesia está entre as mais antigas formas de arte literária, havendo registro de poesias em hieróglifos no Egito 25 séculos antes de Cristo.
Se com as artes mais comercializáveis, a exemplo das pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc., existe uma grande valorização das mesmas pela sociedade moderna, o mesmo não se dá com a poesia que é vista como um produto menor, incompreensível e chato do mundo das artes, especificamente da literatura.
Anthony Tao é um escritor e editor atualmente a residir em Pequim. A sua poesia tem sido publicada em diversas revistas literárias tais como The Cortland Review, Prairie Schooner, Borderlands, Frontier, Kartika Review, Cha, Poetry East West, entre outras. Em 2019 lançou o álbum de poesia e música “The Last Tribe on Earth”, em que diz poesia ao som da guitarra clássica de Liane Halton. É editor-gerente da empresa de midia on-line SupChina, sediada em Nova Iorque.
Mostramos, a seguir, uma das poesias feitas por Anthony Tao e a fotografia, também de sua autoria, que completa a beleza do encontro poético de duas artes dominadas por ele. Esse trabalho artístico, denominado Coronavírus na China, foi publicado inicialmente na Revista Caliban, traduzido por Sara F. Costa.
O Coronavírus na vizinhança
Sorrimos através de máscaras,
dizemos olá com as sobrancelhas,
abrimos portas
para lembrar que ainda cá estamos.
A senhora Chen, da mercearia
já foi, voltou à sua terra.
O velho Li, o barbeiro, também foi
e levou o rádio. Zhou, o serralheiro,
deixou apenas um número de telefone,
Min escapou com seus queridos arrependimentos,
e a família Zhang, que faz pão sírio,
nunca retornou:
ausentes para o ano novo,
lia-se no sinal da porta.
Nós que cá ficamos
fazemos vénias corteses,
apanhamos no correio
a caminho da loja de massa dos Tang.
O céu está limpo, grunhimos. O ar está limpo.
Estamos cercados por uma bondade quase
irreal. As gargantas doem porque falta carvão
falta-nos o alcatrão.
O que quer que falte, seja insurreição
ou dizer o que pensamos da burocracia,
o que quer que seja que desejemos,
as doenças que curamos, a raiva ou a febre,
fazemo-lo em ambientes fechados.
Fechamos as cortinas e esperamos
até a chaleira ferver, e é aí que dizemos
exatamente o que queremos dizer.
Se você gostou, poderá apreciar outros trabalhos de Anthony Tao em Coronavírus na China, traduzidos por Sara F. Costa :
www.revistacaliban.net/coronav%C3%ADrus-na-china-6-poemas-de-anthony-tao-5c690bb0ae24
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