“A arte existe porque a vida não basta”

Publicado por Vera Vilanova


Em uma entrevista concedida na FLIP, em agosto de 2010, Ferreira Gullar que completava 80 anos de vida, comentou “Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo. A arte existe porque a vida não basta”. [Crédito: Luciano Trigo, do G1, em Paraty].

Para o historiador polonês Wladyslaw Tatarkiewicz “a arte é uma atividade humana, consciente, dirigida à reprodução de coisas ou construção de formas ou expressão de experiências, se o produto dessa reprodução, construção ou expressão é capaz de suscitar prazer ou emoção ou choque”.

 Arte rupestre Imagem na Wikipedia
Arte rupestre Imagem na Wikipedia

A arte é um tipo de comunicação que acompanha a humanidade desde os primórdios dos tempos. Já na época das cavernas os seres humanos se comunicavam por meio dela, a chamada arte rupestre. Atualmente, classifica-se a arte em onze tipos de manifestações artísticas: música, dança, pintura, escultura, teatro, literatura, cinema, fotografia, história em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos e arte digital.


Vivemos em um mundo em que tudo parece ter obrigatoriamente uma funcionalidade bem como uma finalidade, em que tudo parece ter que nos conduzir a bons resultados, a uma ideia de sucesso sempre relacionada a grandes quantidades de dinheiro, status e fama. Sob essa ótica, a arte pode parecer deslocada: qual é a função, afinal, de contemplar obras de arte, assistir filmes cult, ouvir música clássica e ler poesias – por exemplo?

A “Poesia” é um gênero literário caracterizado pela composição em versos estruturados de forma harmoniosa. É uma manifestação de beleza e estética retratada pelo poeta em forma de palavras. A poesia está entre as mais antigas formas de arte literária, havendo registro de poesias em hieróglifos no Egito 25 séculos antes de Cristo.
Se com as artes mais comercializáveis, a exemplo das pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc., existe uma grande valorização das mesmas pela sociedade moderna, o mesmo não se dá com a poesia que é vista como um produto menor, incompreensível e chato do mundo das artes, especificamente da literatura.

Anthony Tao - foto por Eric Favreliere
Anthony Tao – foto por Eric Favreliere

Anthony Tao é um escritor e editor atualmente a residir em Pequim. A sua poesia tem sido publicada em diversas revistas literárias tais como The Cortland Review, Prairie Schooner, Borderlands, Frontier, Kartika Review, Cha, Poetry East West, entre outras. Em 2019 lançou o álbum de poesia e música “The Last Tribe on Earth”, em que diz poesia ao som da guitarra clássica de Liane Halton. É editor-gerente da empresa de midia on-line SupChina, sediada em Nova Iorque.


Mostramos, a seguir, uma das poesias feitas por Anthony Tao e a fotografia, também de sua autoria, que completa a beleza do encontro poético de duas artes dominadas por ele. Esse trabalho artístico, denominado Coronavírus na China, foi publicado inicialmente na Revista Caliban, traduzido por Sara F. Costa.

 Pequim - foto de Anthony Tao
Pequim – foto de Anthony Tao

O Coronavírus na vizinhança


Sorrimos através de máscaras,
dizemos olá com as sobrancelhas,
abrimos portas
para lembrar que ainda cá estamos.
A senhora Chen, da mercearia
já foi, voltou à sua terra.
O velho Li, o barbeiro, também foi
e levou o rádio. Zhou, o serralheiro,
deixou apenas um número de telefone,
Min escapou com seus queridos arrependimentos,
e a família Zhang, que faz pão sírio,
nunca retornou:
ausentes para o ano novo,
lia-se no sinal da porta.
Nós que cá ficamos
fazemos vénias corteses,
apanhamos no correio
a caminho da loja de massa dos Tang.
O céu está limpo, grunhimos. O ar está limpo.
Estamos cercados por uma bondade quase
irreal. As gargantas doem porque falta carvão
falta-nos o alcatrão.
O que quer que falte, seja insurreição
ou dizer o que pensamos da burocracia,
o que quer que seja que desejemos,
as doenças que curamos, a raiva ou a febre,
fazemo-lo em ambientes fechados.
Fechamos as cortinas e esperamos
até a chaleira ferver, e é aí que dizemos
exatamente o que queremos dizer.


Se você gostou, poderá apreciar outros trabalhos de Anthony Tao em Coronavírus na China, traduzidos por Sara F. Costa :
www.revistacaliban.net/coronav%C3%ADrus-na-china-6-poemas-de-anthony-tao-5c690bb0ae24

Deixe um comentário