“O mago inicia a seqüência dos trunfos;
os seus dois dados estão sintetizando a série, como um índice.”
Robert M. Place, em Tarô dos Santos, da Ed. Agir.

Prólogo: origens
Dados existem há mais de vinte (talvez mais de quarenta) séculos. Uma das muitas provas disso é a frase do título – Alea jacta est – dita por Júlio César em 52 a.C., ao cruzar o Rubicão para invadir Roma. A frase é geralmente traduzida como “a sorte está lançada”, mas literalmente diz “os dados foram lançados”.
Curiosidades etimológicas:
Segundo o dicionário Houaiss (na explicação da etimologia da palavra ‘aleatório’), alèa,ae, em latim, era ‘dado de jogar; jogo de dados; qualquer jogo de azar’.
E um tanto reversamente, segundo o mesmo dic. Houaiss, azar vem do árabe az-zahr, que significava ‘flor’ e, por extensão de uso vulgar, ‘dado’, porque se pintava uma flor numa das faces do dado.
Encontrei no site www.jogos.antigos.nom.br um texto muito interessante sobre o jogo de dados, com várias referências históricas. E a Wikipedia, em seu extenso material sobre o assunto, menciona que foram encontrados dados em tumbas egípcias de 2.000 a.C. Vi referências a relatos e lendas dão conta do emprego de dados, em tempos antigos, em jogos de azar entre o povo. E traduzi o texto abaixo do site www.chessbase.com, que conta os primórdios da história do xadrez e apresenta a lenda de que ele teria nascido com a criação do Chaturanga pelo bramin Sissa a pedido do rajá Balhait:
Na época de sua invenção, havia preocupação com a prevalência dos jogos de azar com uso de dados. Grande número de homens do seu povo estavam jogando com altas apostas e se tornando viciados nesses jogos de pura sorte.
Nos dados, as quantidades do Tarô
Os dados mais comuns e conhecidos são cubos: forma muito estável, sólida, a própria representação simbólica da Terra, no plano tridimensional. Cada uma de suas seis faces quadradas é marcada com um número de pontos entre 1 e 6, sendo que eles são caracteristicamente arranjados sobre as faces do dado de forma que a soma de dois lados opostos dá sempre 7.
Como diz Robert Place, no seu livro Tarô dos Santos, “os dados eram uma ferramenta antiga para a adivinhação, tanto como para o jogo, e esse uso de combinações numéricas pode ser relacionado ao misticismo pitagórico”.
Não podemos esquecer que 21 é três vezes 7 – e são inúmeras as referências a três planos, forças ou mundos, e a 7 passos, etapas, notas, raios etc.
Eis que já tocamos aqui o número 21 – número das cartas numeradas dos Arcanos Maiores.
Ao perceber isso, e fascinada com o aspecto aritmético do raciocínio, pensei também que o total de combinações possíveis do arremesso de dois dados de 12 faces (ou dois zodíacos…) dá 78 – o número total de cartas do Tarô.
A página de site a que me refiro fala de Gabriel Bareletta, célebre pregador medieval que pregava contra o vício dos jogos de dados. Ele teria chamado os 21 “olhos” de um dado (os 21 pontos desenhados sobre as 6 faces) de “letras negras”, correspondentes a 21 pecados, o primeiro dos quais seria a perda de tempo…
Diz ele: “Sicut Deus invenit 21 literas alphabeti… ita Diabolus invenit dados ubi possuit 21 puncta“. (Assim como Deus inventou as 21 letras do alfabeto… da mesma forma o Diabo inventou os dados, que possuem 21 pontos.)
Em um dado de 12 faces, teríamos 78 “olhos negros”, pois:
1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 + 12 = 78.
[A ilustração acima, de um dado poliédrico de 12 faces, encontra-se em www.georgehart.com]
Uma primeira transição: dados viram dominó
Os dados, além de serem jogados sozinhos, sempre atuaram como “coadjuvantes” de outros jogos também (caso do Chaturanga, por exemplo).
O jogo de dois dados foi “traduzido” para tabletes, tijolinhos ou fichas chamadas dominós, que mostram duas faces de dados, lado a lado, separadas por uma linha que divide a ficha ao meio.
No dominó é a combinação que conta, mais do que o valor numérico de pontos da peça, e assim, uma ficha com as metades 5-3 é diferente de uma com metades 6-2, ainda que ambas tenham 8 pontos desenhados.
“Quase todos que analisam o jogo de dominós afirmam que deve ser feita uma analogia entre as peças e o lançamento de dois dados: cada metade equivaleria ao resultado de um dos dados. Alguns autores afirmam, também, que originalmente, os dominós devem ter servido como oráculos, utilizados de forma a prever o futuro.” (transcrito do site www.jogos.antigos.nom.br/domino.asp )
Mas houve uma diferença importante, nessa transição: foi introduzido o zero, uma face sem ponto algum, que o dado não tem. Ou, poderíamos ler de outra forma: o dominó considera também a possibilidade de se jogar um dado só, marcando a ausência do outro. Assim, ele também eleva para sete “notas” as seis possibilidades do dado cúbico e fixo. Quando se elevam para sete as possíveis “faces” a serem apresentadas em cada metade da ficha de dominó, as combinações de pares possíveis sobem para 28 – valor que não relacionamos de imediato ao universo do tarô, a menos que queiramos considerar que, nos Arcanos Menores, 28 são as cartas dos naipes “masculinos” ou “ativos”, e 28 as dos naipes “femininos” ou “receptivos”.
A segunda transição: dominós viram cartas
As cartas de jogar podem ter sido uma evolução ou tradução do jogo de dominó (que já tinha sido uma evolução dos dados): um conjunto de representações de valores numéricos que vai se tornando cada vez mais leve e mais fácil de manejar, por um lado… e mais belo, elaborado e simbólico, por outro.
[www.vybiral.info]
No que se refere à quantidade e arranjo das cartas, arrisco ainda a hipótese de que o conjunto total do tarô (78 cartas) foi pensado como uma representação das combinações de 12 qualidades tomadas duas a duas, ou a soma de todas as “personalidades numéricas” contidas no 12 (possivelmente a inspiração foi o zodíaco). Mas foi talvez com base na experiência da passagem dos dados ao dominó, que comportou inclusive uma ampliação do jogo com a passagem de 3 a 4 (3×7 e 4×7), que se chegou a organizar o tarô em dois conjuntos: um contendo as 21 significações obtidas na combinação de dois dados, e o outro contendo as 28 fichas ou combinações do dominó, tomadas duas vezes, como uma série masculina e uma feminina.
Essas duas séries foram então desdobradas em 4 naipes representativos dos elementos formadores do Universo, cada um com 14 cartas. A carta necessária para completar 78 e que ficou “sem lugar” entre um conjunto e outro seria, como diz Ouspensky, o homem – o Louco, o Zero do tarô.
Epílogo
A partir de então, a origem das imagens gravadas em cada carta compõe toda uma outra história… E a partir do século 17, mais ou menos, os Arcanos Maiores do tarô receberam número – o que ligou as cartas de volta à idéia do jogo de dados, em que um número maior ganha de um número menor; afinal, as cartas são chamadas de “trunfos” ou “triunfos”.
[www.fredmartin.net]
Também a distribuição dos “pontos” (símbolos do naipe) na carta segue a estética da distribuição dos pontos nos dados e no dominó.
“Direito intelectual”: peço aos leitores que queiram utilizar este texto ou parte dele que citem a autora e este site. A aquisição gratuita de informações faz parte do espírito da internet, mas não a apropriação delas e a omissão de fontes.
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