Entre os cristãos, a virtude consiste num hábito sobrenatural que facilita ao homem o conhecimento e a prática do bem. As principais virtudes são sete, três delas denominadas teologais (referentes à relação do homem com Deus) e quatro cardeais (que norteiam a conduta na vida). As virtudes teologais são a Fé, a Esperança e a Caridade; as cardeais: Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza.
As Virtudes Cardeais e os Arcanos Maiores
No caso das virtudes cardeais existe uma relativa facilidade de estabelecer nexos com os arcanos maiores, pois existe até similaridade de nomes.
A Fortaleza e o arcano XI
Na linguagem religiosa “A fortaleza é a virtude que no meio das dificuldades assegura a firmeza e a constância para praticar o bem”.
A Força é a personificação da valentia, da coragem. Aparece com freqüência representada com os atributos da clava, da espada, do escudo, da bandeira da vitória e do leão.
A 11ª lâmina do Tarô, simboliza a Força de Vontade dirigida para a realização de valores morais, da retidão. Aplicada no sentido de purificação, constitui base e sustentação de todo arrebatamento místico, oculto e mágico. A Força, no Tarô, é símbolo da pureza moral, da inocência perfeita que, justamente nesse estado, encontra as energias para o combate.
O Leão domado por uma Virgem, representa a força moral, a bravura que domina a adversidade, a liberdade de ação e a confiança em si mesmo; a subjugação das paixões, o êxito. Trata-se de uma virtude que não nega os poderes terrestres e animais, mas os integram de modo reto, vertical, com suavidade.
A Justiça e o arcano VIII
Nos ensinamentos religiosos, “A justiça é a virtude que nos inclina a dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido, tanto individual como socialmente”.
A Justiça é representada em geral com os atributos de balança, espada, venda nos olhos e o livro das leis; referindo-se à execução da lei de modo imparcial e, muitas vezes, implacável. Ela chega a aparecer com uma cabeça degolada no colo.
Já oitavo arcano maior do Tarô, segundo Wirth, abre o segundo setenário, aquele que diz respeito à alma, posta assim entre o Espírito (lâminas 1 a 7) e o Corpo (lâminas 15 a 21). A Justiça, ou Têmis ou a Balança representa a vida eterna, o equilíbrio das forças desencadeadas, as correntes antagonistas, a conseqüência dos atos, a lei, a disciplina.
A Justiça, cujo número simbólico é o oito, representa a nossa consciência no sentido mais elevado. Para aqueles que fizeram mau uso de seus poderes só cabe a espada e a condenação; para os verdadeiros iniciados, a balança mantém o equilíbrio entre o Papa (5) e a Força (11), esse equilíbrio rigoroso que é a lei da organização do caos no mundo e em nós mesmos.
A Prudência e o arcano IX
“A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir – em toda as circunstâncias – nosso verdadeiro bem, escolhendo os meios justos para realiza-lo” – assim ensinam os textos religiosos.
A Prudência é com freqüência associada à inteligência e à atenção e aparece muitas vezes representada com os atributos da serpente, bem como o espelho, a peneira e o archote.
O Eremita, o nono arcano maior do Tarô, o velho sábio, um tanto curvado, apoia-se num bastão, que simboliza simultaneamente sua longa peregrinação e a arma contra a injustiça e os erros.
Sua lanterna associa-se, para muitos, a de Diógenes, que buscava à luz do dia um verdadeiro homem em Atenas, mas simboliza também, como a lâmpada de Hermes Trimegisto, a luz velada da sabedoria, que o Eremita cobre com o seu manto. A iluminação deve permanecer interior, é inútil cegar ou ofuscar aquele a quem não se destina.
Sua atitude é a do peregrino, atento ao que se passa ao redor, que faz sua caminhada sem provocar reações por onde passa.
A vida o Sábio é a da Prudência, sem pricipitações, desligado das paixões, em que trabalha no invisível para condicionar o futuro que se encontra em gestação.
A Temperança e o arcano XIV
“A temperança é a virtude que refreia o apetite dos prazeres sensíveis e impõe a moderação no uso dos bens criados”, dizem os ensinamentos cristãos.
Temperança significa da moderação e comedimento. É representada de diferentes modos e com diversos atributos: o leão, o camelo, a pomba, o elefante, a caveira, a ampulheta, o compasso ou o ato de embainhar uma espada.
A 14ª lâmina do Tarô, a Temperança, simboliza a junção do ativo e do passivo, o mistério da criação, invisível, secreto. Sua origem está na Força (11) e seu complemento é a Justiça (8).
Muitas vezes considerada como símbolo da Alquimia, representa a destilação, a purificação, a evolução da matéria. É a entrada do espírito na matéria, o símbolo de todas as transfusões espirituais, propiciando o vivo equilíbrio entre as forças celestes e terrestres.
O gênio alado realiza e encarna sobre o plano material as obras da Justiça. Na simbologia grega clássica o ato de derramar de um vaso em outro é tomado como sinônimo de metempsicose ou transmigração das almas.
Entre a Morte (13) e o Diabo (15), a Temperança alada nos faz lembrar a grande lei da eterna circulação dos fluidos vitais, no plano cósmico, e, no plano psicológico, a necessidade do difícil equilíbrio interior que devemos manter entre os dois pólos do nosso ser, o terrestre e o celeste.
As Virtudes Teologais e os Arcanos Maiores
Na Ética religiosa, essas três virtudes são chamadas de teologais, porque não são elas produtos de um hábito, pois o homem não as adquire através do seu próprio esforço. Alguns textos ensinam que “Elas são essencialmente sobrenaturais, pois, além de serem dons divinos, elas se dirigem a Deus nos seus atos.”
No caso das virtudes teologais os nexos com os arcanos maiores, nem sempre são muito evidentes.
A Fé e o arcano XII
A fé não pode ser adquirida pela simples vontadedo homem: “Não podemos crer, ou seja, praticar atos de Fé, sem a graça de Deus. A fé é uma virtude sobrenatural pela qual – apoiados na autoridade de Deus – cremos nas verdades que foram reveladas”.
A carta do Enforcado, se for tida como representação de alguém castigado por faltas cometidas, estará longe de simbolizar o dom da fé. No entanto, se for entendida como submissão à uma prova, de modo voluntário, tranqüilo e confiante, poderá então se aproximar do significado da primeira virtude teologal.
Alguns autores destacam o sentido sutil da postura do personagem, um ser que se deixa sustentar por uma força oposta à gravidade terrestre, que tocou um centro de gravidade superior.
Há menções de que a lâmina do Pendurado retrata uma prova iniciática de cavalaria medieval, na qual se procedia a uma drástica reversão do corpo, o que em alguns casos provocava ferimentos irreversíveis. No entanto, essa mesma prova dá testemunho da absoluta confiança que um homem poderia ter na qualidade da escola à qual se candidatava. Tinha fé de que qualquer sacrifício valeria a pena para se tornar um iniciado.
A Esperança e o arcano XVII
A Esperança, como o próprio nome diz, é um ato de aguardar e não de tomar providências e manipular. “A esperança é uma virtude sobrenatural pela qual confiamos em que Deus nos
dará a glória mediante sua graça e nossa correspondência a ela.”
O arcano 17, a Estrela, dá uma forte ênfase ao plano celeste, com uma Estrela Guia, central, e sete estrelas menores (os sete planetas tradicionais). Numa acepção astrológica, indica todas as disposições celestes que estimulam e desafiam a vida dos homens.
Essa mulher é a única personagem do Tarô que se encontra inteiramente despida e que se apoia diretamente sobre o solo. Indica que ela se mantem intimamente ligada ao plano terrestre mas totalmente despojada, permeável às determinações celestes.
A sua atitude de despejar o líquido dos cântaros (iguais aos da Temperança) traduz a atitude de abertura e fluidez, que nada retém para si. Abrir mão, deixar correr, indica uma disposição de absoluta confiança no futuro, que não é fabricada pelo homem, mas sim um dom celeste.
Esse casamento entre a presença celeste e o deixar fluir na terra, garante a exuberância de vida: é também a única carta com árvores e pássaro.
Dizem os textos cristãos: “A caridade é uma virtude sobrenatural pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas – por quem Ele é – e ao próximo por amor a Deus”. É tida como a virtude primordial, a maior de todas.
Qual dos 16 arcanos maiores até agora não mencionados que melhor representaria a virtude da Caridade? O Papa (5) ou o Sol (19)? O Julgamento (20) ou o Mundo (21)? Ou seria possível considerar a Papisa (2) e a Imperatriz (3)? E os Enamorados (6)?
Sugestões dos tarólogos
A questão acima foi tratada por tarólogos interessados nos signficados simbólicos e suas observações são reproduzidas abaixo, na ordem em que nos chegaram. Constitui um exemplo significativo do pensamento simbólico em aberto: uma determinada realidade pode ser entendida sobre vários ângulos e em suas múltiplas facetas. Nesse sentido, diferentes arcanos falam de diferentes aspectos de um ser ou de um princípio. É o mesmo processo que podemos ver na linguagem astrológica, quando diferentes signos e planetas podem ser invocados para caracterizar algum ente ou qualidade especial.
Continua em aberto o convite para novos co-autores ajudarem a arrematar este texto…
Anamaria Traldi
Definitivamente voto na Papisa com representante da caridade. Ela é em si mesma o sobrenatural, as forças em nós que desconhecemos objetivamente, mas que sabemos instintivamente que estão lá, no fundo de nossas almas e espíritos.
Parodiando Gilberto Gil “se eu quiser falar com Deus” no nivel mais sutil e sublime de meu ser, vou me dirigir à Deusa que é a Grande Doadora de todas as respostas e é a chave para a verdade que foge à nossa compreensão lógica. Ela detem todo o conhecimento sobre o bem e o mal e não o nega a quem sabe ouvir suas respostas.
“Se eu quiser falar com Deus” num nível dogmatico, religioso e terreno vou me dirigir ao Papa. Considero portanto que a Papisa representa, nesse sentido, a verdadeira caridade.
Flávio Alberoni
Não consigo ler no Arcano 12 a fé, como a conhecemos. Vejo nesse arcano mais uma fé devocional e isso implica em perdê-la, se o objeto de devoção se perde. Eu colocaria a fé
no arcano 17, pela sua abrangência, pela sua entrega à fonte da vida – às estrelas. Uma fé scalma, sem força, sem gritos. Sinônimo de esperança. Não há fé sem esperança e vice-versa. Portanto fé e esperança seriam para o arcano 17.
Por outro lado, o 17 bem dominado é justo, equilibrado e desapegado (arcano 8 = 1 + 7 ) e sem conflitos (arcano 6, resultante do oposto ao 17, ou seja 15 –> 1 + 5 = 6).
A caridade eu colocaria mais no arcano 12, pela sua entrega, pela quebra da própria personalidade para ajudar os outros.
Falta ao 12 a capacidade de abrangência, o tino para ajudar sem sacrifício. (Até pode, mas aí seriam outros valores, como o 3 e o 21 embutidos). Ele não se quebra justamente pois o 11, A Fortaleza, não deixa. Mas, precisa demais do 2 (11 = 1 + 1), para poder contemplar o seu trabalho e lhe dar um valor universal, conseguindo deste maneira chegar ao 21 – oposto ao 2 e imagem especular do 12.
Ana Maria Correa
O Sol (XIX) é o arcano que fala mais perto do meu ouvido intuitivo, pois a caridade no meu entender é um estado de irradiação de luz, aconchego, calor, vitalidade, eixo (aceitação), liderança no poder, etc.
São atributos que penso caberem no signo solar e que representam o sentido da caridade.
Leonardo Chioda
A virtude da caridade, imagem e conceito presente no antigo Minchiate (figura à esquerda), pode ser vista nos baralhos posteriores na figura do Hierofante.
Se analisarmos o quinto arcano marselhês (figura à direita), temos uma mão estendida ao santificado. De quem é essa mão? O nome da carta muitas vezes é O Pontífice – a ponte, a pessoa que serve de intermediária entre o mundo material, a pobreza, os pecados e o mundo divino, a luz de Deus, a transcendência.
Por meio da caridade a pessoa ascende espiritualmente. A mão é anônima, o que reforça a atitude de “fazer o bem sem olhar a quem”. Os dois indivíduos à sua frente, provavelmente ajoelhados, estão pedindo ajuda ou, então, agradecendo pelo auxílio recebido. Eles reconhecem que a figura sentada diante deles é um exemplo de bondade, de religiosidade e de caridade, obviamente. É o representante dos necessitados, sem alusão ao verdadeiro Papa do Vaticano. Ele ouve, atende e abençoa.
Valéria Fernandes
Resolvi consultar o tarô para obter um direcionamento sobre a carta em questão. Entre os 22 arcanos maiores devidamente embaralhados e dispostos em leque, retirei O Papa. Porém,
pela forma como interpreto as cartas, julgo O Enforcado ser um bom representante, isso por enxergar neste arcano a abnegação inerente na caridade.
Sendo o caminho agora interpretar O Papa como imagem desta virtude, imediatamente me indaguei: que características da caridade têm neste arcano que o Tarô quer me falar?
A virtude da caridade em si é sobrenatural, como afirmam os teólogos; não é fortalecida apenas pelo hábito, ou temos ou não temos, não se adquire racionalmente. Pois bem, O Papa é aquele que escolheu servir a Deus e ao próximo por amor maior e sobrenatural, e tal opção requer benevolência aqui na terra, ou não teria sentido de existir.
Visto que Deus fez o homem a sua imagem e semelhança, é considerável que a partir deste ponto, todas e quaisquer ações caridosas devam ser direcionadas ao homem pelo homem, sendo Deus a razão suprema que justifica cada ato, logo, a figura do Papa representa o praticante de tais ações.
Ele é o elo entre céu e terra e também o detentor das qualidades e dos meios para fazer evocar e perpetuar a caridade entre os homens.
Betoh Simonsen
Existem três atributos que para mim podem compor a caridade: a compaixão, a generosidade e a possibilidade de sacrifício voluntário.
No meu entender, a compaixão está simbolizada pelo arcano A Sacerdotisa, a generosidade pelo arcano O Sol e o sacrifício pelo arcano O Enforcado.
Da mesma maneira, considero que existem três atributos que podem ser significadores de fé: a entrega ou confiança radical, o foco no propósito e a conexão com as dimensões superiores.
Estas qualidades estão presentes no Louco, no Mago e na Estrela.
Geraldo Pereira
A caridade é a mãe de todas as virtudes, diziam os antigos. Engloba com poder a si mesma, os outros e o infinito.
Ela é a bondade suprema: supera a natureza humana.
Domínio da matéria pela evolução dos quatro elementos, só pode ser O Mundo, o arcano XXI.
Bete Torii
Concordo com a Ana Correa na indicação do arcano 19, O Sol, como correspondente à virtude da caridade – virtude que alguns textos chamam de Amor.
Além dos motivos já citados pela Ana, aponto outros:
• Os textos que falam da caridade, como por exemplo a Epístola de São Paulo aos Coríntios (1 Coríntios, 13), descrevem uma virtude benigna, plena, necessária e eterna – qualidades que, no mundo habitado pelo homem, pertencem ao Sol, a estrela infalível que nos dá vida, luz e calor “todo santo dia”.
• A caridade é a maior das virtudes – e, se empregamos a redução numérica, a carta 19 é a “maior” do tarô. É a única que chega a 10 (1 + 9 = 10), isto é, que passa a um outro nível, outra casa numérica, e retorna à unidade (pois 1 + 0 = 1).
• O tarô de Marselha mostra, nessa carta, duas crianças que se aproximam com afeto; imagem que pode ser representativa do “ama ao próximo como a ti mesmo”.
• Robert Place, autor que desenhou um muito bem fundamentado Tarô dos Santos, coloca na carta 19 nada menos que o Cristo – e não é Ele a encarnação da caridade e do amor?
Corrrespondências gerais
Como ocorre com qualquer sistema setenário, cada virtude pode ser associada a um símbolo planetário. Não existe, porém, um consenso absoluto sobre as correspondências entre planetas e virtudes. Apresentamos, abaixo, três alternativas mais comumente encontradas:

Se considerarmos apenas o conjunto das quatro virtudes cardeais, as referências simbólicas imediatas serão os quatro elementos, os quatro mundos da Kabbalah, os quatro naipes e as quatro figuras da Corte dos arcanos menores doTarô.

Essas correspondências das quadruplicidades em diferentes linguagens simbólicas não são absolutas e podem ser refeitas sob vários pontos de vista. Devem ser consideradas como sugestões para nossa reflexão e não como arranjos ou nexos definitivos.
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