Como é gostoso brincar de Tarot

Publicado por Vera Vilanova

Neste carnaval de 2022, que não foi festejado por conta da COVID19, recebi o convite inusitado de um grupo de mulheres que desejavam curtir a “festa” almoçando juntas, relembrando “outros” carnavais. Me propuseram ficar com seus filhos, que tinham entre 7 e 11 anos, iniciando-os na arte e riqueza do Tarot de uma maneira lúdica, sem nenhuma pressão ou qualquer processo interpretativo padrão.
Fiquei maravilhada: que experiência nova e interessante! Mas como tudo tem seu lado desafiador, ao me deparar com o planejamento dessa tarde de brincadeiras tarológicas, minhas ideias, todas, resolveram fugir. Meu Deus, e agora?! Já não dava para desistir, era preciso botar o “tico, teco” para funcionar espontaneamente ou na marra.

In: https://br.pinterest.com/milagoudet/tarot-inspira
In: https://br.pinterest.com/milagoudet/tarot-inspira

Embora eu seja uma pessoa avessa a tecnologia social (não adotei serviços como Facebook, Instagram, Celular, WhatsApp, Twitter e, muitas vezes, do próprio Google), leio muito e sou muito bem informada.


Pessoalmente, sou contra a demanda criada para levar as pessoas ao uso generalizado e indiscriminado de aparelhos e aplicativos supérfluos e viciantes, onde os algoritmos nos levam para lugares que não gostamos e nos trazem mais informações sobre nós do que queremos. Isto para não entrar nas questões mais graves geradas pelas fake news.


Todavia, não vivo numa ilha de desinformação: disponho de um laptop e um telefone fixo (ainda existe) que me conecta perfeitamente com o mundo quando isso se faz necessário. E quando quero me isolar totalmente coloco a culpa nas deficiências da operadora. E foi usando o wifi que pesquisei na internet o que havia de novidades sobre o uso de Tarot para crianças e como se posicionavam os meus colegas de profissão neste assunto.


Como eu ia ficar apenas três horas com um grupo de 8 meninos, optei por “trabalhar” apenas os Arcanos Maiores, usando o Tarot do Rider Waite, pelo qual meus olhos e o coração batem cadenciadamente.


Antes de iniciar a pesquisa lembrei-me de um fato vivido por mim e meu neto mais velho, quando ele tinha uns 5 anos (hoje ele já está com 15). Certo dia, tomando conta dele, abri o Tarot apenas com as 22 cartas principais, e perguntei:


— Yuri, qual dessas cartas você acha a mais bonita? Ele não titubeou e apontou A Torre.

— E depois dessa – continuei – qual é a carta que você gosta mais? Ele apontou imediatamente O Pendurado (Enforcado).


Fiquei surpresa, para não dizer invocada, com respostas tão assertivas e de cartas tão pouco benquistas, mas não perguntei mais nada a ele, nem mesmo o porquê das escolhas (vai que ele disparava na direção das cartas do Diabo, da Lua, da Morte…).


Tudo tem um porquê, eu acho. Fiquei matutando e cheguei à conclusão de que talvez A Torre, com seu exuberante raio e pessoas caindo de cabeça para baixo a céu aberto, remetesse Yuri a uma conexão com suas adoradas histórias em quadrinhos, recheadas de ação entre mocinhos e bandidos. Já O Enforcado me trouxe à lembrança o prazer que ele sentia ao ver o povo de circo no trapézio e também as bailarinas fazendo dança aérea com tecidos. E esses insighits despertaram em mim uma nova de forma de enxergar as Cartas do Tarot Tradicional, vendo-as pelos olhos de uma criança.


Voltando ao dia no qual fiquei com os garotos durante o carnaval, planejei nosso encontro da seguinte maneira:


1) Sentarmos todos em volta de uma mesa redonda (poderia ter sido no chão, mas não tenho mais idade para essas estrepolias);


2) Usar apenas os 22 Arcanos Maiores;


3) Enfeitar toda as paredes da sala, aleatoriamente, com reproduções dos 22 Arcanos (em tamanho A4);


4) Pedir aos meninos que dessem uma volta no ambiente olhando as figuras como se estivessem em um museu (podiam conversar entre si e fazerem qualquer pergunta sobre as mesmas);


5) Explicar ao grupo, no máximo em 10 minutos, a história do Tarot;


6) Baralhar e cortar os 22 Arcanos Maiores e empilhá-los no centro da mesa;


7) Informar a meninada que eu passaria o maço para cada uma delas tirar uma carta e que começaria com a primeira pessoa à minha direita, a qual retiraria uma carta sem olhar e passaria a pilha para a criança à sua direita, e assim por diante até todos terem uma carta nas mãos;


8) Recolher as cartas que sobraram e colocá-las empilhadas no meio da mesa, de cabeça para baixo.


E aí começamos, realmente, a “Brincar de Tarot”.


Visando não influenciar o grupo com minha visão adulta enviesada comecei a leitura pela menina que estava do meu lado, Laura (7 anos). Ela tinha tirado A Carta do Eremita. Pedi que ela fosse até a parede da sala e trouxesse a reprodução do Eremita para a mesa.


Coloquei a foto de uma maneira que todo o grupo pudesse ver e pedi a ela que olhasse para a Carta que tinha nas mãos e me falasse quem ela via na figura, como ele era, ou qualquer outra informação que ela achasse que era importante e ela comentou:


— Poxa, que cara velho e triste. Ele vive só? Não tem mãe?

Aí Antônio falou: — Claro que ele não tem mais mãe, sua tonta, a mãe dele já virou estrela. Ele vive só, sim.


— Mais algum comentário? – perguntei e ninguém se manifestou.


Foi a vez de João (9 anos) pegar a reprodução de sua carta, que foi A Estrela.


Ele olhou e olhou para A Estrela e falou: — Acho que a mulher está feliz porque está enchendo o rio de água e a água não acaba. Olha como tudo está verde e cheio de flores.


— Pois é, comentou Ana (7 anos), tem também um passarinho e muitas estrelas. É uma carta linda!


E você, Antônio (11 anos) – perguntei – que carta tirou?


— Um menino doidinho, que está na beira de uma pedra gigante, quase caindo.


— Vá lá pegar sua foto na parede – pedi.


Os comentários foram variados:


— Ele é surdo? (por causa dos latidos do cachorro que ele parecia não ouvir).


— Ele é cego? (não olha por onde anda, olha para cima).


— Ele está com problemas? (postura alheia aos perigos).


O Louco despertou a irreverência do grupo:


— O cara vai cair de cabeça e nem vai ver;


— Que maluco mais sem noção…

— Pode ser – retrucou Antônio – mas ele parece estar tão bem, tão na dele. Gosto quando estou assim, calmo, sem pensar em nada.


Chegou a vez de Maya (8 anos). Apressadinha ela foi até a parede da sala e trouxe a figura do Mago, toda entusiasmada:


— Que carta bonita, cheia de flores, eu adoro flores.


— E o que mais você vê nesta carta Maya?


— Um menino com uma mesa cheia de brinquedos mas sem nenhum amigo para brincar. Não gosto de ficar sem ninguém, é chato. Depois as rosas têm muitos espinhos e ele não pode nem sair do jardim.


Para Ivan (10 anos) veio A Imperatriz: — E essa quem é Ivan?


— Parece minha mãe, toda arrumada, sentada num parque que tem um rio e muitas árvores. Ela vive falando em fazer um piquenique com a gente num lugar assim, mas ela nunca pode, está sempre trabalhando.


— Essa mulher parece com a mãe de mais alguém? – perguntei.


— Acho que com a minha – respondeu Laura.


— Com a minha também – emendou Antônio.

Logo após, acompanhando A Imperatriz, veio A Sacerdotisa, nas mãos de Leila (9 anos). Ela, com sua calma de sempre, sorriu e falou: — Humm, acho que tirei eu mesma. Ficar quieta, num canto, lendo um livro é o que eu mais gosto de fazer. Gosto de ler deitada, mas minha mãe reclama pois diz que faz mal para olhos.


— Quem mais gosta de ler por aqui, perguntei?


— Eu não gosto, diz de pronto Ivan, prefiro jogar no celular.


— Eu ainda não sei ler direito, fala Maya, mas gosto de ver a Magali junto com a minha irmã.


— Pois eu adoro ler tudo: as revistas da Turma da Mônica, Heróis Marvel, X Man e muitos outros livros – completa Antônio todo exibido.


Finalmente, para Paulinho (11 anos), o último menino do grupo veio A Carta do Diabo:

— Essa figura tão estranha parece meu professor de história, que vive mandando eu ficar quieto e calar à boca. Ele é um homem muito mau.
— Mas ele só reclama com você, Paulinho?
— Não, mas ele briga mais comigo porque sabe que não tenho medo dele. Muitas vezes fico é com muita raiva

* **


A essa altura resolvemos dar um tempo e tomar um lanche. No decorrer do lanche muitas conversas paralelas sugiram sobre os Arcanos Maiores: dúvidas, comentários, etc.


Depois de 20 minutos, voltamos para a mesa e falei:


— Lembram que começamos a brincadeira dizendo que o Tarot tem 22 cartas chamadas de Arcanos Maiores. Pois é, aqui somos 8 pessoas, sem contar comigo, portanto só vimos 8 cartas das 22 cartas principais do Tarot. A minha proposta é pegarmos as outras 14 cartas e criarmos uma estória com elas, que tal? Vamos seguir a mesma ordem de antes, isto é, vamos começar por Laura, mas todos podem sugerir outras ideias durante a apresentação.


A Temperança:


— Um anjo, muito bonito, vestido de branco e com asas vermelhas que está passeando num rio – disse Laura.


— Um anjo mágico, falou Maya, pois consegue passar água de uma taça para outra, sem derramar nenhuma gota no chão.


— Mas para a mágica acontecer ele tem que fechar os olhos e colocar toda sua força em volta de sua cabeça – completou Paulinho, dando risada de sua gracinha.


E não é que ele tinha razão sobre os olhos do anjo!?

A Força:


— Nesse lugar podemos ver também uma mulher fazendo carinho num leão, como isso é possível – perguntou João. E ele mesmo respondeu:


— Deve ser porque ela cuidou dele desde quando era um filhotinho e ele não sabe que é um leão, pensa que é um cachorro.


— Pois eu acho que não é por isso não, revidou Ivan, eu acho que é porque ela trabalha num circo e o leão foi treinado para ser mansinho e obedecer ela.


O Carro:


— Lá longe eu vejo um carro muito estranho pois não tem roda para andar, falou Paulinho. Ele está parado na porta de um castelo e dentro dele tem um rapaz fazendo de conta que está dirigindo o carro. O pai desse rapaz deve ser muito legal pois fez para ele um presente tão grande e bonito. Eu queria muito ter um carro desses.

O Sol:


— Mas falando em andar – disse Leila – eu queria mesmo era dar uma volta naquele cavalo branco que está no jardim dos girassóis, pois o bebê parece muto feliz em cima dele, sem medo nenhum de cair. E o dia está com um sol tão lindo! Eu ia gostar muito! Ia me lembrar desse dia a vida toda.


A Roda da Fortuna:


— Já eu – disse Antônio – preferia dar um passeio nesta roda gigante esquisita, que não tem cadeira e é guiada por esses bichos feios. Quem são eles? Da terra é que eles não são. Parecem monstros de filmes. Falando a verdade, eu não sei se teria coragem de ir com eles, sozinho. Só se fosse com meu pai.

O Imperador:


— É, ir com o pai da gente, é mais fácil, menos perigoso. Embora meu pai não goste muito de parque de diversão, toda vez que quero ir num brinquedo mas estou sem coragem, ele me ajuda, me dá a mão e me acalma. Ele é o meu Rei Fergus – comentou João.


— Já eu, faço tudo sozinha, sem meu pai, pois sou forte e valente igual a Princesa Merida – completou Ana toda orgulhosa de sua coragem.


A Justiça:


— Olhando esta carta (A Carta de Justiça) – falei indo pegá-la na parede – me lembro de um desenho animado que meus filhos gostavam muito de ver e que se chamava He-Man.


— He-Man era um herói cuja verdadeira identidade era o Príncipe Adam de Eternia, o qual foi roubado de seus pais pela Feiticeira do Castelo de Grayskull e o dotou com o poder de se transformar em He-Man, o menino mais poderoso da terra: era o que Adam fazia, levantando sua Espada do Poder e proclamando: “Pelo poder de Grayskull, eu tenho a força!”


— Sempre que olho A Carta da Justiça acho que a mulher vai se levantar e imitar o gesto de He-Man.

A Lua:


— Assim como Leila viu a beleza de um passeio num cavalo branco, num dia de sol, eu também vejo beleza na Carta da Lua, que enfeita o céu com sua luz mais fraca mas bonita, afirmou Maya, enquanto tirava a cópia da carta da parede. Ela me traz lembranças e saudades de minha avó que mora longe da gente, em outra cidade. Muitas vezes fiquei no colo dela conversando sobre a lua e as estrelas, ou ouvindo histórias muito lindas.

* **


Entre o passe do Mago (mágico) e o retorno (volta) do Mundo a tarde acabou, deixando muitas perguntas no ar para serem esclarecidas pelo O Papa ou pelos colaboradores do Clube do Tarot que queiram se aventurar pelas andanças do Louco.

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