Eu já vinha pensando com “uma beirada” do cérebro, nos últimos dias – sem parar para refletir bem – que é uma pena que em português chamemos o Joker do baralho de Curinga. Porque a palavra Curinga, inventada, tem significado único: designa aquela carta do baralho que tem o desenho de um arlequim ou bobo da corte e que pode ocupar o lugar de qualquer outra carta. (Por extensão desse significado, curinga também significa “indivíduo versátil que se presta a múltiplas e diferentes funções”, mas isso não vem ao caso no nosso tema aqui.)
Portanto, para um falante do português, o personagem Curinga das histórias do Batman só é associado, tanto pelo visual quanto pelo nome, ao singular arlequim do baralho.
Já a palavra Joker, em inglês, quer dizer brincalhão ou piadista, e esse foi o nome dado à carta do baralho que mostra um bobo da corte. Convenhamos que esse nome coloca um caminhão de sentidos à disposição do personagem Joker/Curinga – que foram todos magistralmente aproveitados e desenvolvidos no maravilhoso filme ‘Coringa’, de Todd Phillips.
Simplesmente considerar esse enriquecimento de sentido já amplia nossa possibilidade de apreciação e crítica do filme, não é? Uma pequena linha: a certa altura, Arthur Fleck percebe que ele, que tenta ser um comediante ou contador de piadas (comedian ou talvez joker), é na verdade a piada (joke) do mundo em que vive, e decide ser um Joker assim com J maiúsculo.
Mas a coisa pode ir muito além.
O Joker ou Curinga existente no baralho moderno é um empréstimo ou herança do deck de cartas chamadas Arcanos Maiores do Tarô. É o único dos Arcanos que não tem número. Explicando rapidamente: arcanos maiores são aquelas 22 cartas sequencialmente numeradas que começam com O Mago, nº 1, e terminam com O Mundo, nº 21. A carta chamada O Louco ou, em inglês, The Jester – que significa Bobo da Corte – não tem número.
O fato de essa carta não ter número tem inúmeras interpretações entre tarólogos, entre elas a de que a carta é um não-lugar, uma interrupção. E a figura desenhada nessa carta, nos tarôs modernos, é a de um bobo da corte andarilho; mas nos tarôs do século XV era a de um louco-da-aldeia, às vezes um louco seminu sendo zombado ou assediado por garotos – pois os loucos, no fim da Idade Média, eram geralmente abandonados à própria sorte e mendigavam comida pelas ruas e estradas, sendo o palhaço involuntário, ou o saco de pancadas, da garotada. Que tal? Fico a imaginar se Todd Phillips conhece algo do tarô e de medievalismo.
Pois bem: essa carta sem lugar (na ordem numérica), que representa uma figura sem lugar na sociedade medieval, é transferida ou emprestada para o deck dos Arcanos Menores (o baralho comum, de 52 cartas divididas em quatro naipes). E leva seu significado de carta que pode ser colocada em qualquer lugar, substituindo qualquer outra. E que, dependendo do jogo, pode ser retirada; ou seja, será uma carta fora do baralho. Essa carta, se pensar, provavelmente pensará “será que eu existo?” – como Arthur Fleck.
E tem mais!
The reality played a masterpiece on the creator of Batman, showing that it manages to be more absurd and playful than the fiction: it placed in the city hall of Gotham City, that is, in the presidency of the USA, a Trump. Trump, in English, is “trump card”, the card that has greater value than the others in a given game. Tell me the players: does the Joker beat the trump card?
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.