É preciso paz pra poder morrer

Publicado por Redação Clube do Tarô


E paz foi tudo o que 2020 não nos trouxe, este controvertido ano que seguiu ao 2019.

Anjinho triste Foto de Manuel Selbach - www.pixabay.com
Anjinho triste Foto de Manuel Selbach – www.pixabay.com

Não houve paz para os milhares de infectados. Não houve paz nos lotados hospitais. Não houve paz para os incansáveis profissionais da saúde. Não houve paz para os familiares e amigos dos enfermos. Não houve paz para os enlutados. Não houve paz para os idosos. Não houve paz para os filhos dos idosos. Não houve paz para os sacrificados e corajosos motoboys. Não houve paz para os vigorosos coveiros. Não houve paz nem para as crianças e, muito menos, para o Anjo da Guarda de cada pessoa que se despediu da vida prematuramente. E o que é mais grave, para essas não houve paz e nem direito a qualquer modo de despedida por parte dos entes queridos. Parece um filme de terror – mas não é – , assemelha-se a uma película ao estilo “A Hora da Sua Morte”, de Justin Dec, ironicamente lançado em 27 de fevereiro de 2020.


No Dia de Finados eu quero paz, muita paz. Paz para lembrar cada um dos 160.000 brasileiros que perderam a vida para a COVID19, esse vírus tão letal, que chegou de avião e de mansinho, entrou pela porta principal das grandes cidades, se infiltrou na casa das pessoas, espalhou-se pelas ruas, casas e prédios, desceu e subiu ladeiras e morros à procura de suas vítimas. Sorrateiramente foi dizimando muitos dos que encontrou pela frente e tudo que dávamos como certo e assegurado no Séc. XXI, especialmente a longevidade tão propagada pelas inovações tecnológicas e farmacêuticas alcançadas no campo das ciências médicas.


Mas bastou um pequeno ser vivo, não visível a olho nu, nos visitar e matar todas as nossas crenças de seguranças, esperanças e certezas com as quais encerramos o Ano de 2019.


É muito difícil deixar aqui, nessa data, uma única mensagem para todos os que acompanham o Clube do Tarô e sofreram a perda de algum parente, amigo ou colega porque cada pessoa tem o seu próprio modo de expressar o seu luto e viver a sua dor, porque os grupos têm formas diferentes de encarar a espiritualidade, a religiosidade ou a falta delas, e porque a maioria dos indivíduos não consegue nem ouvir, quanto mais falar sobre A Morte: esta senhora empertigada, misteriosa e cruel, que nos provoca medo, ansiedade, choro e melancolia.


Considerando que a morte continua a ser um tema tabu para a maioria dos humanos, proponho um brinde simbólico para homenagear cada brasileiro que nos deixou esse ano, em função do coronavírus ou não, lembrando-se de algum momento especial que vivemos ao seu lado, pois como apropriadamente dizia Machado de Assis “O Louvor dos Mortos é uma forma de orar por eles”.

Foto de S. Hermann & F. Richter - www.pixabay.com
Foto de S. Hermann & F. Richter – www.pixabay.com

E para finalizar, deixo aqui um parágrafo de um livro da escritora chilena Isabel Allende, in Paula, escrito para e sobre a sua filha Paula, que entrou em coma em dezembro de 1991, em função de uma doença degenerativa, e morreu em 1994, aos 23 anos de idade.


“A morte não existe, pois só morremos quando somos esquecidos. Se podes recordar-me estarei sempre contigo”.


E, também, um poema do escritor curitibano Paulo Leminsky, in Ex-estranho, que fez sua travessia em 1989, aos 44 anos de vida.
“e para todos os que me amam
ou me amaram um dia
deixo apenas um padre-nosso
meio malpassado
e essa espécie de ave maresia.”

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