Etteilla e seu método divinatório

Publicado por Alexsander Lepletier

A primeira integração conhecida entre Tarô e Astrologia

A primeira correlação conhecida entre Tarô e Astrologia e sua aplicação prática está documentada historicamente. Publicada pelo ocultista francês Etteilla, em 1785, essa integração inclui as primeiras correspondências feitas entre Tarô e Astrologia, bem como uma técnica de tiragem apoiada nos dois sistemas.

O original do texto de Elizabeth Hazel e James W. Revak, traduzido por Alexander de Abreu Lepetier, encontra-se em www.villarevak.org/astro/main.html

Quem integrou Astrologia e Tarô pela primeira vez? Como ele ou ela aplicou essa integração na prática divinatória? Como os Tarólogos poderiam aplicá-la em leituras reais atualmente?

A ilustração ao lado reproduz uma carta astrológica aplicada à leitura de Tarô, derivada do livro de Etteilla, Manière de se récréer avec le jeu de cartes nommées tarots (1785). Copiada do livro de Jacques Halbronn, L'Astrologie du livre de Thot: suivie de récherches sur l'histoire de l'astrologie du tarot (© 1993 Éd. de la Maisnie).
A ilustração  reproduz uma carta astrológica aplicada à leitura de Tarô, derivada do livro de Etteilla, Manière de se récréer avec le jeu de cartes nommées tarots (1785). Copiada do livro de Jacques Halbronn, L’Astrologie du livre de Thot: suivie de récherches sur l’histoire de l’astrologie du tarot (© 1993 Éd. de la Maisnie).

Esse artigo procura responder a essa e outras perguntas. Nele está documentada o primeiro registro da integração Tarô-Astrologia e sua aplicação na prática divinatória, introduzida pelo ocultista francês. Constitui o primeiro método de leitura com Tarô baseado em Astrologia e uma série de correspondências entre as suas Artes.

O texto está organizado em duas partes. A primeira – História – documenta a fusão entre Tarô e Astrologia de Etteilla. Nela discute-se brevemente algumas de suas conquistas e o reconhecimento pelos seus contemporâneos, em especial Waite. A segunda parte – Método Astrológico de Etteilla – resume a aplicação divinatória e inclui guias para os tarólogos praticantes.

Parte 1: Panorama Histórico

Historiadores e praticantes da arte têm reconhecido o impacto do Tarólogo Jean-Baptiste Alliette (1738-1791), mais conhecido como Etteilla (seu sobrenome de trás para frente), em maneiras extraordinariamente divergentes. Kaplan comenta que “as opiniões acerca dele iam de cínico a venerável”[1]. Algumas autoridades ocultistas tradicionais, por exemplo, Levi [2, 3] e Waite [4] , criticavam severamente suas ideias e o Baralho de Tarô que ele publicou (cerca de 1788) [5], culpavam-no por ganhar a vida como cartomante descrevendo-o erroneamente como um barbeiro ou peruqueiro, e até mesmo questionando sua inteligência. Por exemplo, Waite descreveria seus livros como “colportage (escrita limitada)” e sua visão do Tarô “bizarra”, e alegavam que ele “ele se levava muito a sério e posava mais como um sacerdote das ciências ocultas do que um simples adepto da “l’art de tirer les cartes (a arte de tirar as cartas)”[6].

Mais recentemente Giles escreveu que seu “efeito primário foi a popularização de Tarô, mais do que contribuir para a teoria ou design das cartas.” [7] Por outro lado, Decker, De Paulis, e Dummett argumentaram: “Embora Etteilla receba pouco crédito na literatura popular hoje em dia, a ele podem ser creditados muitos “primeiros”…[8]

Com certeza, Etteilla foi o primeiro a: [9, 10,11]

Primeira página do livro de Etteilla, Manière de se récréer avec le jeu de cartes nommées tarots (1785). Reproduzido de Jacques Halbronn em L'Astrologie du livre de Thot: suivie de récherches sur l'histoire de l'astrologie du tarot (1993) Ed. de la Maisnie & Ed. de la Grande Conjontion)
Primeira página do livro de Etteilla, Manière de se récréer avec le jeu de cartes nommées tarots (1785).
Reproduzido de Jacques Halbronn em L’Astrologie du livre de Thot: suivie de récherches sur l’histoire de l’astrologie du tarot (1993) Ed. de la Maisnie & Ed. de la Grande Conjontion)

 

  • publicar um livro dedicado ao Tarô esotérico, “Manière de se récréer avec le jeu de cartes nomées tarots (Como se divertir com o jogo de cartas chamado Tarô) [12] (que continha, em grande parte, um método relativamente completo para leitura de Tarô, incluindo significados divinatórios para cada carta e tiragens)
  •  publicar um baralho de Tarô especificamente para divinação e práticas esotéricas (incluindo a discussão de Filosofia Oculta) ao invés de jogos lúdicos, que permaneceram popular no Século XIX;
  • integrar Tarô e Astrologia istematicamente;
  • ganhar a vida como um tarólogo profissional reconhecido
  • e a fundar uma organização dedicada especificamente ao estudo do Tarô Esotérico, a Société dês Interprètes du Livre de Thot (Sociedade dos Interpretes do Livro de Thot).

Entre outras realizações, Etteilla publicou um livro mais antigo, Etteilla, ou manière de se récréer avec un jeu de cartes [Etteilla, ou como se divertir com um Baralho] (1770), que era dedicado a prática divinatória através das cartas normais, especificamente o jogo de Piquet, um baralho popular reduzido.[13] Além disso, ele e seus seguidores, que incluíam leitores de cartas treinados por ele [14], influenciaram significantemente os significados de cartas assinados por ocultistas de ponta como Mathers [15], Papus [16] e Waite [17], além de alguns tarólogos contemporâneos que ainda usam esses significados.[18]

O que, então, motivou Waite e ocultistas de mesmas ideias a criticar tão severamente Etteilla? Explicações sobre isso são numerosas e o objetivo desse texto impede uma abordagem mais detalhada. Todavia, a atitude ambivalente de Waite em relação a divinação pode ter, em parte, motivando-o a depreciá-lo. Ele declarou, “Eu odeio o profanum vulgus [a massa ignorante] de aparatos divinatórios”[19] e observou que “a vidente que pode usar com sucesso um baralho para divinação – tanto para prever como esclarecer – está colocando em prática, no mais baixo nível, o poder que existe dentro de si, que, se exercido com uma intenção mais alta para um objeto espiritual, poderia fazê-la um santa”[20] . Embora sua opinião desfavorável acerca da divinação, ele dedicou muito do Pictorical Key to the Tarot para a prática divinatória (incluindo tiragens significados para as cartas). Na verdade, aproximadamente metade de seus significados dependem de Etteilla e seus alunos. Ironicamente, num nível significativo, ele estimulou Etteilla.[21, 22] Além do mais, Waite publicou, sob o pseudônimo “Grand Orient”, um livro dedicado a numerosos métodos divinatórios, incluindo o Tarô.[23] Aparentemente sua atitude em relação a divinação era conflitante. Por Etteilla ter sido o primeiro Tarólogo profissional e que ganhava sua vida, em parte, das leituras de cartas, ele pode ter servido como um para raios, atraindo o fogo e o trovão de Waite cujos sentimentos pela divinação eram tão ambíguos.

Etteilla, pseudônimo de Jean-Baptiste Alliette (1738-1791)
Etteilla, pseudônimo de
Jean-Baptiste Alliette
(1738-1791)

Apesar da crítica, o registro histórico é claro: Etteilla fez mais do que meramente popularizar o Tarô. Ao invés disso, ele foi um ocultista significante, que teve contribuições significantes para a teoria, prática e design de baralhos, ao mesmo tempo que estabelecia precedentes surpreendentes.

Especialmente importante para esse estudo é a sua integração do Tarô com a Astrologia. Antes dele a única exposição do Tarô Esotérico foi em dois ensaios, essencialmente especulativos de Gébelin e Mellet no volume 8 (publicado em 1781) do, escrito por Gébelin, Le Mond Primitif, analysé et compare avec le Mond Modern (O Mundo Primitivo analisado e comparado ao Mundo Moderno)[24]. Todavia, os autores não tiveram a intenção de associar sistematicamente Tarô e Astrologia e a exposição de Mellet sobre divinação foi superficial e incompleta.

Quatro anos depois Etteilla publicou seu Manière de se récrée…tarots, e nele, aparece a primeira integração sistemática entre Tarô e Astrologia, incluindo o primeiro conjunto de correspondências entre Tarô e Astrologia e o primeiro método divinatório que integra as suas Artes. O último incluía, inclusive, uma tiragem baseada na astrologia.

Quatro anos depois Etteilla publicou seu Manière de se récrée…tarots, e nele, aparece a primeira integração sistemática entre Tarô e Astrologia, incluindo o primeiro conjunto de correspondências entre Tarô e Astrologia e o primeiro método divinatório que integra as suas Artes. O último incluía, inclusive, uma tiragem baseada na astrologia.

Nesse livro, Etteilla também escreveu uma profunda e detalhada instrução a Astrologia Horária, proporcionando numerosos guias práticos para os seus usuários e citando múltiplas autoridades no assunto, incluindo Ranzau e Lenoble.[25]

Para Etteilla, a integração entre Tarô e Astrologia era algo natural. Ele usava ambas as práticas como um conselheiro espiritual ou consultor.[26] Para uni-los ele se valeu de conceitos astrológicos selecionados para cartas selecionadas, incluindo os doze signos do Zodíaco que associou a 12 trunfos ou arcanos maiores (veja Apêndice A).

Reproduções do Grand Etteilla (Paris: Grimaud, 1975), baseadas no baralho original de Etteilla (1788)
Reproduções do Grand Etteilla (Paris: Grimaud, 1975), baseadas no baralho original de Etteilla (1788)

Etteilla, por exemplo, associou Éclaircissement [Iluminação] (que corresponde ao Sol nos baralhos mais tradicionais) com Touro; por isso, o símbolo desse signo aparece na parte superior esquerda e inferior direita dessa carta do seu baralho. Além disso ele associou conceitos astrológicos e planetários às cartas numeradas (Ás ao Dez) do naipe de Ouros (veja Apêndice B). Por exemplo, ele associou Vênus ao três de ouros, de forma que o símbolo desse planeta (no três de ouros) e uma imagem da deus Vênus aparecem nessa carta (veja abaixo).

Etteilla falha ao explicar, de forma clara, seu método ao associar correspondências; embora possa-se deduzir isso em parte. Valendo-se do Pymander [27], um texto Hermético, místico, da antiguidade Etteilla revisou conscientemente o tradicional Tarô de Marseille de forma a refletir claramente sua visão do cosmos e da criação. Dessa forma, o primeiro Trunfo, que representa o Vazio (não o Sol como na versão moderna da Grimaud de seu baralho) ilustra o Caos que precede a Criação.[28] A seguir, os Trunfos do dois até o sete ilustram a história da Criação. Etteilla também associa os Quatro Elementos, os blocos básicos construtores usados pelo Criador, dos Trunfos dois ao cinco; e os Signos do Zodíaco, a estrutura celestial básica estabelecida pelo Criador, dos Trunfos dois ao quinze.

Finalmente, para completar sua visão do cosmos ele associou os planetas e outros conceitos astrológicos às cartas numeradas do naipe de ouros, que ele e outros tarólogos [29] consideravam as cartas de nível mais baixo. Sua ordem para os planetas e os outros conceitos astrológicos era lógica: ele começou com o Sol, no centro do sistema solar, indo até Saturno, o planeta mais distante conhecido, e completou a séria com os Nodos Lunares e a Pars Fortunae (Parte da Fortuna) como “planetas sombra”. Dessa forma, o Tarô de Etteilla continha o cosmos conhecido, dos Trunfos, que incluíam as estrelas fixas do Zodíaco, descendo às cartas numeradas do Naipe de Ouros, que incluíam os Planetas.

É claro que as correspondências de Etteilla diferem daquelas adotadas posteriormente por Levi [30], Papus [31, 32] e a Ordem Hermética da Golden Dawn (a Aurora Dourada) [33]; embora, há muito, tenha sido difícil de se encontrar concordância entre todos os Tarólogos. Na verdade, após resumir e comparar os inúmeros sitemas, Bayard escreveu: “Qual a conclusão que se tira dessas comparações? É extremamente difícil determinar a afinidade entre as cartas e os signos astrológicos. Cada sistema tem suas vantagens e desvantagens que são peculiares a ele.”[35]

Em relação a divinação Etteilla defendeu um método específico que integrava Tarô e Astrologia e incluía uma tiragem baseada nas Doze Casas Zodiacais [36, 37]. Todavia, diferente de qualquer tiragem de doze casas oferecia pela literatura ocultista popular [38] ou conhecidados autores, Etteilla tema vantagem de produzir um Horóscopo, por exemplo, uma carta que apresenta fenómenos planetários e outros nas Casas Zodiacais específicas, que podem ser interpretadas de acordo com convenções astrológicas.

Embora os registros históricos são, aparentemente, silenciosos no assunto, provavelmente, os alunos de Etteilla usavam suas correspondências. Ainda, vários ocultistas de ponta, incluindo Christian [39], Papus [40, 41] e Wirth [42] rejeitariam a Integração de Etteilla em favor de suas próprias ou outras. Ocultistas que aderiram, ou foram significantemente influenciados pelos ensinamentos formais da Ordem Hermética da Golden Dawn [43, 44], tais como Mathers [45], Crowley [46], e Case [47], fizeram o mesmo. Todavia, todos deveram a Etteilla o fato dele ter sido o pioneiro na fusão do Tarô e da Astrologia. A próxima parte desse artigo descreve o método de Etteilla aplicando sua integração dos dois sistemas na divinação. Os autores assinalam onde houver alguma adaptação.