Fantasias cartomânticas e tarológicas

Posted by: Abelard Grégorian

Sempre me chamou atenção, não só no Brasil, mas também na Europa onde passei um período importante da minha formação, as vestes coloridas, véus, xales e turbantes utilizados por certa tribo de cartomantes. No entanto, no interior da França, onde vivi por um tempo, as senhoras moradoras das vilas e que lidavam com cartas nunca colocavam qualquer tipo de vestimenta diferente para conversar com quem as procuravam. Acontecia sempre uma entrevista discreta, sem alardes e aparatos exteriores, dentro dos costumes do tratamento cotidiano.

Com o tempo, especialmente após o advento da Internet, vimos crescer visivelmente a propaganda com “embalagens chamativas” que, por vezes, chegam ao carnavalesco. Como situar culturalmente este fato?

Fantasias cartomânticas e tarológicas
À esquerda, foto do site da Rexona Woomen. Ao centro, ilustração do anúncio “Cartomant0 Poderosa” no www.olx.com.br. À direita, uma ledora de sorte no www.fotosearch.com

Por qual razão algumas pessoas utilizam vestidos coloridos, colares e turbantes para ler cartas? Uma primeira explicação que tenho ouvido para essa pergunta é que a cartomancia tem um lado espiritual que requer a utilização vestes especiais. Não me parece uma boa resposta, pois basta observar astrólogos e professores de astrologia, que lidam visivelmente com uma arte de natureza mais celeste que o baralho, nem por isso se cobrem de cetim ou vestes brilhantes para dar seu recado. Menos ainda podemos imaginar um mestre do I Ching com poses ou paramentos estranhos para traduzir as mensagens desse Livro mântico. São artes que ressoam discrição e recolhimento.

Se o termo “espiritual” estiver ligado ao mundo psíquico no qual trabalham os médiuns e sensitivos da doutrina espírita, vemos na prática que eles realizam o seu trabalho com sua vestimenta cotidiana, pois os trajes para eles não entram necessariamente em conta.

Igualmente, nenhum dentre os grandes professores de astrologia que encontrei, nem instrutores e mestres de I Ching, no Brasil e na Europa, usava heterônimos e, desse modo, sempre passaram eles longe de qualquer pseudônimo comercial ou de alguma forma de ocultação de sua verdadeira procedência.

Tento encontrar uma razão para esse cenário teatral utilizado por uma certa tribo de cartomantes e advinhas com bola de cristal. Digo “uma certa tribo” porque a grande maioria das videntes que conheci utilizavam apoios simples (vidros, copos, artefatos) e se vestiam de modo comum. Se não estiver enganado em minhas observações, a utilização de fantasias está relacionada à imitação das cartomantes ciganas. Trata-se evidentemente de um modo de pegar carona no prestígio que as mulheres da cultura cigana têm com relação à quiromancia e à cartomancia.

No caso, porém, das mulheres árabes que lêem a borra nas xícaras de café, todas as que tive oportunidade de apreciar sua arte fizeram a interpretação com as vestes habituais que usam no dia-a-dia aqui no Brasil e nenhum delas se vestia com os véus e costumes árabes, mesmo aquelas que ainda guardavam forte sotaque de sua origem.

Uma hipótese

Na história do baralho, entre os séculos XIV e XVIII, apenas se tem registro de sua utilização em jogos de lazer e jogos com apostas em dinheiro, área esta em que não faltam pinturas e alusões às artimanhas, fraudes e trapaças. Quando se torna notória a utilização das cartas com finalidade mântica, no final do século XVIII, estão igualmente presentes as referências ao modo ardiloso e nem sempre correto como que muitos cartomantes atuavam.

Os nômades que na Europa passaram a utilizar o baralho como instrumento de mancia tinham e têm até hoje uma relativo descompromisso com quem atendem, pois logo estarão longe. O show-off para atrair a atenção é um recurso compreensível quando se tem pouco tempo em cada lugar para obter o dinheiro desejado. As nômades se permitem atuar, portanto, de forma muito diferente das mulheres que vivem numa comunidade em que mantêm relações estáveis com os demais moradores.

É curioso como a imagem de desconfiança que os ciganos inspiravam no interior brasileiro, até poucas décadas, tenha se transformado num charme a ser imitado. Será um simples “sinal dos tempos” em que tirar partido da situação é mais importante que a ética?! Talvez.

Devo confessar que ao ver gente mudando de nome para pseudônimos ciganos e utilizando imitações de suas roupagens festivas, fico com um pé atrás. Não consigo confiar em conselheiros que “fazem de conta” ser o que não são. Dom de representar e fazer teatro não me parece ser o diferencial para dar respeitabilidade aos profissionais que dizem se dedicar à ajudar e orientar outras pessoas. Mas reconheço que, no meu caso, trata-se de uma predisposição pessoal, que contrasta com uma forte demanda popular pelos cenários de fantasias exotéricas.

A farsa quântica

Seria injusto dizer que o arsenal disponível de adornos e lantejoulas se resume unicamente ao guarda-roupa festivo dos ciganos. Considero uma piada o fato de algumas pessoas se apresentarem como “tarólogos quânticos”…! O tema da relação entre a ciência moderna e o saber tradicional já foi apresentado no painel Esoterismo Quântico, com vários textos elucidativos do qual participei com alguns comentários em Botox quântico.

Por que será que não existem também tarólogos “atômicos” ou “nucleares”? Era de se esperar que estivessem disponíveis, pois a física nuclear se mostrou muito efetiva em suas aplicações: permitiu a criação da bomba atômica e de usinas. Já a mecânica quântica não foi muito além da teoria, sem ter sustentado até agora qualquer aplicação prática digna de nota.

Pouquíssimos são os tarólogos e cartomantes que, de fato, estudam a tal teoria quântica. A maior parte mal sabe do que se trata, mas sempre tem aqueles que encontram aí um belo nome para enfeitar a divulgação dos serviços que oferecem. E tudo indica que são bem sucedidos frente ao público específico que coloca as aparências e pseudônimos exóticos como a referencia. Sim, cada um na sua!

Comentários e discussões envolvendo o tema

Após a publicação do texto algumas pessoas entraram em contato com o autor para trocar suas impressões e ampliar a discussão sobre o tema.

Segue as conversas:

Comentário 1

Recomendação de roupas
Sandy – RJ

Abelard,
li seu artigo sobre usar roupas exóticas para ler Tarot, e resolvi fazer uma observação para que você também possa repensar na sua colocação.

Atuei 10 anos com baralho cigano e tarot e agora terminei este trabalho recentemente. No inicio do meu trabalho há 10 anos atrás, numa das minhas primeiras consultas à um cliente que era médium e recebia um cigano, recebi a mensagem para que eu usasse uma roupa de cigana. O rapaz que era consulente tinha um cigano e este cigano incorporou no momento da consulta para reclamar porque eu usava uma roupa normal para ler cartas, me questionando se eu estava de brincadeira. Que aquela não era roupa para eu trabalhar com as cartas.

Esta entidade de nome cigano Wladimir, chamou minha atenção e orientou-me usar a roupa da minha cigana e que iria ser mostrada pela intuição e que eu deveria comprar e usar quando eu fosse trabalhar com as cartas para ajudar as pessoas. Que fique bem claro que nunca trabalhei incorporada, mas sempre senti a presença da entidade do meu lado no momento da leitura das cartas. Ela que me intuía sempre quando eu olhava para determinada imagem das cartas do baralho cigano ou arcano do taro. Enfim para não me estender muito, este foi o motivo de usar roupa ‘estilo cigana’ quando trabalhava com as cartas. Não era uma fantasia, era a roupa que a entidade que trabalhava comigo quis que eu vestisse.

Como minha cigana viveu na Índia Antiga, seus trajes eram de cores bonitas e terrosas. O que quero dizer com isto é que talvez algumas das pessoas que usam roupas exóticas para ler cartas, devem estar na verdade usando o traje em que o seu guia ou seja seu cigano ou cigana, seu mago ou bruxo, use, mesmo que elas não saibam disto, podem estar sendo intuidos a usarem estas vestimentas. No meu caso eu fui avisada pela entidade, e posteriormente a roupa foi sendo escolhida peça a peça pela intuição.

Acho que quando não entendemos algo que alguém faz, não devemos julgar; isto eu aprendi aos meus 53 anos. Não só porque não entendemos, não compreendemos, e não aceitamos, não quer dizer que devemos julgar. Tudo tem seu motivo de ser e existir. Talvez se deixássemos de lado o racional e usássemos mais o intuitivo para enxergar determinadas coisas, e que é o que o tarólogo deveria usar mais pois ele lida com isto com o intuitivo (com a visão interior, com a vidência e até clarividência, e não só decodificação de signos e símbolos porque Tarot é imagem), veríamos coisas que os olhos não podem ver.

Abraços
agosto.11 – Contato: Sandy – tarologasandy@gmail.com

Comentário 2

O verdadeiro religioso e os enganos subjetivos
Abelard Gregorian

Sandy,
os seus comentários me ajudam a buscar um foco mais nítido para o que pretendia apontar, pois não tenho qualquer prevenção contra paramentos e guardo respeito pelas vestes dos religiosos que transmitem os ensinamentos sejam eles orientais, afros ou ocidentais.

O que acredito ser fundamental nos ritos religiosos é que ninguém se atribui pessoalmente títulos ou vestes, a partir de mera “orientação psíquica” ou “revelação mediúnica”. Quando o assunto é tratado com seriedade, sempre há uma hierarquia viva, com a presença de mais velhos devidamente autorizados, que acumularam experiência e se encontram a partir de certo momento aptos a orientar e iniciar novos participantes. Em tais contextos, a utilização de títulos e dos paramentos correspondentes tem um significado preciso e não são distribuídos a bel-prazer.

Veja que na tradição cristã, de nosso contexto cultural e social, nenhum sacerdote se auto-nomeia para algum cargo ou nível eclesiástico, e que até mesmo os santos não se auto-proclamam santos. As experiências místicas sempre foram examinadas pelos confessores e pelos mais experientes, antes de serem anunciadas como vivências genuínas do sagrado. Evita-se qualquer confusão com as energias psíquicas do mundo obscuro. É esse o caminho seguro para o verdadeiro contato com o sagrado não ser confundido com a subjetividade, com as alucinação ou manipulações ocultas, por mais bem enfeitadas e charmosas que se apresentem.

Uma coisa são os rótulos “ciganos” no comércio na cartomancia e outra coisa é a verdadeira tradição cigana. Talvez fique mais claro o que gostaria de dizer, se compararmos as egrégoras presas às formalidades de roupas e de pseudônimos comerciais com a verdadeira tradição cigana, sobre a qual existe algum material no site Clube do Tarô: Origem cigana?

Dentre todas as pessoas responsáveis de origem cigana, com os quais discuti esse assunto, a quase totalidade não vê qualquer necessidade de roupagens festivas ou de fantasias para exercer seus dons.

Concordo que é muito difícil, na prática, separar o joio do trigo, distinguir entre as pessoas sinceras e as mentirosas. Mas é sempre bom lembrar que se as forças obscuras recorrerem à sedução e às aparências para desviar a atenção, podemos confiar que a verdadeira ajuda do Alto não depende de uniformes.
agosto.11 – Abelard Gregorian – gregorian.abelard@gmail.com

Comentário 3

Danusa Freire

Aberlad, o que acontece é uma questão cultural. veja bem, sou taróloga ha 20 anos aqui no recife, participei de feiras místicas. eu ia com minha roupa no estilo indiano, sem muitos adornos até porque na época eu não tinha dinheiro para enfeites variados e nunca gostei muito de aparecer como cigana se não sou. mas por ter cabelos longos, morena, o povo me deu o título de cigana, e pasmem! até hoje eu explico que não sou cigana hahaha mas o povo não quer me ver como mulher comum. tem outra coisa, nós mulheres que gostamos de tarô , de cartas ciganas, já nascemos gostando do estilo indiano e cigano, gostamos também daqueles vestidos de espanhola, leques , castanholas, nós já nascemos com esse gosto, é algo da alma da pessoa. e ainda te digo mais , se num evento místico aparecer uma mulher para jogar tarô vestida de calça jeans, sem brilho, pode ter certeza que ela não vai ser procurada pela sociedade, ninguém vai olhar pra ela. quanto aos nomes espirituais é uma questão de marketing, somos um produto da fantasia mística do povo, dizemos nosso nome verdadeiro , mas dizemos o espiritual que vem do marketing pessoal ou de uma vontade da própria cartomante ou taróloga , também vai da vaidade feminina de se sentir uma cigana carmem por exemplo… muitas vêzes não é para enganar. claro que esses sites tem muitas gente que engana, mas por outr lado eu que tenho um site, me colocar como mulher comum sem brilho as pessoas nem vão consultar, lá no meu site eu estou de medalhas na cabeça, coisa que eu amo, mas poderia não ter , daí a sociedade já faz cara de desprezo. é assim meu querido a realidade, mas cabe a taróloga ou cartomante falar que não é cigana, se realmente não for e explicar o porquê do nome espiritual , se ela usar tal nome. um abraço a você e a todos!

Comentário 4

Abelard Gregorian

Danusa,
sim, você dá o retrato de uma situação cultural que estimula a adoção de adornos e títulos, o que gera necessariamente um efeito muito forte sobre quem está na luta, tentando viver de suas habilidades com as cartas. Até para reforçar o que você diz, sinto que a receptividade feminina fica acentuada nas sensitivas, cartomantes e tarólogas que acabam “dançando conforme a música”. E assim seria injusto fazer uma crítica unilateral às cartomantes, sem levar em conta as pressões sócio-culturais que pesam sobre quem oferece seus serviços.

A esse respeito, gosto de brincar com minhas amigas, que até o tormento dos saltos altos (que me parece um suplício imposto pela Inquisição) são naturalmente incorporados pelas mulheres, que nada reclamam dessa artificialidade que causa tantos transtornos anatômicos. Assim sendo, é fácil compreender que nenhum mal encontram as cartomantes em se vestirem com as roupagens esperadas e em adotarem o rótulo “cigano”.

Mas, para mim, permanece a questão ética daqueles que se apresentam como “espirituais” e na verdade são meramente comerciais. Fico com o coração apertado quando vejo as pessoas se alimentarem e se gratificarem com artificialidades, quando o verdadeiro alimento fica fora de seu alcance ou simplesmente não é reconhecido. Pior ainda, com gente faturando em cima das carências, inventando histórias.

Seja como for, Danusa, apreciei os seus comentários que ajudam a ampliar o tema.

Comentário 5

Mário F. Oliveira

Interessante a observação dos pontos de vista. Não sou uma pessoa “adornada”, e concordo com as abordagens relatadas!
Já ouvi falarem ” …Você não parece um tarólogo!”

Bem, até hoje não sei como ele deve parecer, afinal estou sempre na frente dele. Acho que tudo é uma questão cultural e regional, entendo o que a Danusa fala, porque quando comecei em 1995, e tinha cabelo comprido (juro que tinha), isso criava uma certa empatia, ” uma atmosfera mística”, e não tinha o cabelo comprido por ser tarólogo, mas porque gostava de tê-lo assim, acredito que por parecer uma pessoa fora dos padrôes havia mais aceitação das pessoas por conta das fantasias que elas vivenciavam em suas cabeças! Quem me conhece pessoalmente e não sabe que sou tarólogo sempre se surpreende ao sabê-lo. Não me vejo sendo diferente do que sou, ou melhor, de quem sou! E claro, independente do que o futuro me reserva, ainda sigo minha personalidade, e quem sabe deixo o cabelo crescer novamente como antes (pelo menos os herois da resistência).

Abelard, sensacional abordagem! Defendo e apoio os profissionais éticos, e concordo que existem muitos aproveitadores, que infelizmente são os esteriotipados! E olha que eles atraem mais pessoas mesmo! Por consequência disso prejudicam os que fazem a “coisa séria”, “sem salamalécos” e tal… Por isso tenho comigo o código de ética do tarot. Adotando, por ter a mesma linha de pensamento!

Renata, show de bola seu comentário, concordo, concordo e concordo!

Walter Mercado é do fundo do baú, mas tá valendo a comparação! Já me compararam com ele a muitos anos atráz, acho que todo mundo lembra do “ligue djá” dele… Ele tinha um marketing pesado…

Mas no geral, acredito que sempre seremos comparados, julgados e avaliados! O resultado final é o que vale, a afinidade entre nós e o consulente, determinará o resultado.

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