Poemas para O Louvo
Ponto Zero (Insensatez Calculada)
Vera Miranda
Com ousadia e pouco pensar
subverto a segurança, instinto visceral.
Empurro escada abaixo, num lance de quase loucura
a rotina confortável
o tédio crescente
uma vida sem sentido.
Desarrumo o futuro e giro a roda da vida…
Rompendo o ponto estático,
que não é começo nem fim,
arrisco:
agarro a mão do louco
e pulo segura, muito além do vazio.
Saga
Rodrigo Araês
Peço licença a todos
para a história que vou contar
história de uma vida
história de um despertar
Neste lar fui nascido
era outra casa
lá nos cafundós
de um nordeste esquecido
que tinha uma outra cara
feia de fazer dó
Minha mãe me deu a casa
meu pai me deu o teto
aqui andei e balbuciei
aprendi as primeiras letras
e nos livros me afundei
Na ausência de meus pais,
quando muito pequeno,
minha tia me criou,
depois fui ficando distraído
ensimesmado, esquecido,
nem lembrava da família
na minha loucura vivia
Já em Minas,
no planeta dos mistérios,
a rua era minha casa
e na rua fiquei
quando em São Paulo cheguei
Só estava em dois lugares,
brincando fora de casa
lendo ou xadrez jogando
no mundo da Lua…
A leitura me aquecia
com ela me esquecia
deste mundo, desta lida
desta vida tão comprida
deste mistério profundo
que me encasquetava
perturbava
no fundo, bem no fundo,
O que fazia eu aqui?
Música, conversa, madrugada,
nada de viola enluarada,
apenas samba, valsa e xaxado.
A poesia, música, e a dança,
que nunca fiz,
não explicavam o mistério
do viver aqui na Terra
neste corpo, nesta forma.
Até a matemática me desencantou,
a busca embatucou
e na ânsia do saber
caí dentro do oculto,
da tradição, do hermético.
Ali me refugiei,
como um náufrago numa ilha,
perdido neste espaço
chamado universo.
40 anos, ou mais, estive em busca,
guiado por minhas mães e meu irmão,
ao meu lado minha mulher e dois irmãos,
mais tarde todos do grupo
que me ajudaram a despertar o amor
que me mostraram que além da dor
existia a alegria
aceita sem nostalgia
de um passado que se perdia
Outros ao grupo se agregaram,
despertando-me o cardíaco,
– nesta quase me estropie –
mas foi apenas susto
um primeiro despertar.
Depois de muita prática
de tropeços e quedas
parti para novos rumos
“A musa me beijou e me tornei poeta”
abri um grande espaço
que quase arrancou pedaços
da minha cabeça e coração.
Parei com quase tudo
Nada Sou, Nada Sei.
No fim a simplicidade,
só o amor importa,
e, na base que me restou
de novo aqui estou,
nesta casa, neste lar,
para abrigá-los em meu peito
dizer com todo respeito
“Só o sonho é realidade”
e de tudo que aprendi
de tudo que ficou comigo
percebo que esta casa é meu abrigo
um reflexo do amor humano
Sei com toda certeza
que minha mãe, acima desta que amo
é esta Terra que me sustenta
que meu pai, que me conforta
nos cafés matinais,
é este Céu que me ilumina.
Que todos os seres são meus irmãos
e que esta família é abençoada
por ter meu Irmão como guia
mas cabe a vocês levar o Amor
para fora desta casa
pelos atos e trabalho,
pois não se fala de Amor
Amor implica em ação,
em negar a morte da vida,
que é o bem mais sublime.
Lembrem-se:
que na noite escura da Alma
quando a solidão nos acolhe
sempre resta o lugar onde nascemos
pois nosso sangue não nega
somos Pais e Mães da nossa Terra.
Pensamento
Alberoni
Vindo para cá percebi
que o universo e a terra
estão em minhas mãos como pratos
numa bandeja.
Posso escolher como usufruir
dos extremos da vida
mas perdido pelas sensações
não sei como começar.
Tudo me parece tão simples,
tudo é tão peculiar
tudo me é tão completo
apesar de ser tão difícil versejar!
. . .
Um cachorro correndo a meus pés
e seus latidos surdos
me assustam!
Parece que o próprio universo
zomba de mim
e de meus pobres pensamentos!
Transgressor
Alberoni
Foi pela manhã
que me descobri como transgressor.
E assim fui toda vida
por captar a imagem incompleta
e ver a árvore da família apenas como uma copa
de onde busco voar.
Esqueci suas raízes
ou seu troco forte que ajudei a formar!
Queimei minhas lembranças em labaredas
próximo ao ramo que toca o Sol nascente,
e larguei as cinzas em displicência
no chão, na relva, joguei no mar.
Ainda habito o ramo mais alto
como uma ave de rapina
e perscruto a escuridão.
Apenas alço vôo
quando árvore complacente permite…
ou não?
Olhar
Alberoni
Se meu olhar
lhe diz alguma coisa, aproveite,
pois nem sempre transmito
aos sentidos.
Não falo para os que ouvem
como quem respira distraído
nem com a boca,
nem com os olhos ou mesmo com os gestos
dispersos que gritam por mim.
– Como dizer algo
que não pode ser dito
se não fico por aqui?
Se disse algo que gostem realmente
desconfiem.
Mas, falo ao seu primeiro sentimento
e embora ele nem sempre ouça –
como é costume
num grupo feito pela vida –
de alguma maneira,
(e até pela proximidade
com que espreito seus atos escondidos)
sempre
aceita, contempla
e muitas vezes aprende.
Retorno
Flávio Alberoni C. Farias
Por tudo passei e nada sou.
Talvez apenas sombra
em meu próprio mundo.
Nada existe à minha volta
que não me pertença.
Tudo sou, indivisível ou nulo.
A quem escutar neste final obscuro?
o outro eu, também sou eu
e nada percebo além de mim.
Penetro no resto de luz
e me solto no abismo infindo.
Confio no impulso em mim.
Em outro nível, retorno.
Poemas para O conjunto dos arcanos
Aleph
Gabriel Engelman
A vida em 22 letras
O mundo transcrito em cartas
Mistérios do inconsciente
Tão somente arquétipos da mente?
Se da árvore sefirótica viestes
Síntese de todo conhecimento cabalístico
Tens mistérios do qual até Deus desconhece
Pois dela emana toda a sua tese.
Minha intenção nunca foi subjulgar
Nenhum destes arcanos majestosos
O que me entristece é seu conhecimento
Tão velado e inutilizável a todos
Ah, se cada um contivesse,
A representação da árvore da vida
Emergida harmoniosa nos mistérios inciáticos
No âmago de nossos corações,
Seriamos pois, felizes, sem restrições!
Após o arcano 21,
uma contemplação ao 15,
reverenciando o 17
Alberoni
Após o momento
repousamos na luz azul
que cobria o seu corpo nu.
Notei o respirar ofegante
e o suor formando um rio no vale entre os seios
e essa luz brilhar como estrêla
em cada gota formada e espalhada
quase como um pulsar.
Meus olhos percorriam
com delicadeza o que já é delicado
ao meu toque e ao piscar
de seus próprios olhos em meu corpo exausto.
O arfar dos seios
pareciam pedir outra atenção –
a de meus lábios, mais que o de meu olhar.
Contive-me.
Contemplei simplesmente
a cor tornar-ser dourada
na penugem entre as pernas,
onde nossos fluidos eram um só,
e como som, ouvia da cor
um suave acorde – violoncelo
na penumbra do quarto…
Mais uma vez eu me segurei
para não explorar com os lábios
essa umidade provinda
de um amor em êxtase.
Mais uma vez,
eu me contive. Contemplei.
Um poema do Tarô
Cristina Britto
A viagem de cada sonhador
começa com uma fagulha,
que desvenda o segredo
e acende o potencial criativo
que permite construir realidades.
A espiritualidade e a compaixão
abrem caminhos e traçam opções
para um ser em busca de equilíbrio
e que ilumina a solidão.
Ser capaz de tecer o destino
com a delicadeza da força
e aprender que do desapego nasce a transformação.
Num processo alquímico
que transcende o ego,
reestruturando uma individualidade
plena de fé e esperança,
atravessa a noite escura da alma
e experimenta o amor universal,
ressurgindo qual fênix dançarina
dentro do uroboro.
Começo e fim.
Os Salmos de Davi e os Arcanos
Paulo Albernaz,
encaminhado por Douglas Marnei
1. O Mago
Sê em tuas obras, como és em teus pensamentos.
3. A Imperatriz
Tecendo estás teu tecido; tecidos para teu uso… e tecidos que não hás de usar!
4. O Imperador
Ao trabalho de tuas mãos, dá Bendição e coloca em teus Pensamentos, o Coração.
5. O Hierarca
De ouvido eu te escutava; mas agora meus olhos te vêem e meu Coração te sente!
7. O Carro
Quando a Ciência entrar em teu Coração e a sabedoria se tornar doce à tua Alma, pede e te será dado!
8. A Justiça
Edifica um altar em teu Coração, porém não faça de teu Coração um altar!
9. O Eremita
A noite passou e chegou o novo dia. Veste-te, portanto, com as armas da Luz!
10. A Roda da Fortuna
Gostoso é saber que compras com o fruto de tua experiência! E mais gostoso ainda é o que te falta por comprar!
11. A Força
Ditoso na esperança, sofredor nas atribulações, sê constante na Oração!
12. O Sacrifício
Ainda que o Sol te fatigue o dia e a Lua ter constrite a noite, não leves teu pé a beira de um despenhadeiro, nem durmas quando fazes guarda!
13. O Ceifador
Sobe ao monte e contempla a Terra Prometida, mas não digo que entrarás nela!
14. A Temperança
Não sejas como a palha diante do vento, nem como o vento diante da palha!
15. O Diabo
Fizeram-me guarda de vinhas. E a minha vinha, que me pertence, eu não guardei.
16. A Casa de Deus
Luz ao amanhecer, Luz ao meio dia, Luz ao entardecer, o que importa é que seja Luz!
17. A Estrela dos Magos
Uns homens pedem sinais para crer e outros pedem sabedoria para obrar; o coração esperançado reúne tudo em sua esperança!
18. A Lua
Seja tua caridade celeiro inesgotável e tua paciência não menos inesgotável que teu celeiro!
19. O Sol
Flor na macieira, fruto na vinha, semeados com prudência!
20. O Julgamento
Toma o escudo de tua fé e avança com passo decidido, seja a favor dos ventos ou contra todos os ventos!
21. A Volta ao Divino
Sai o Sol e põe-se o Sol. E outra vez volta a seu lugar,
de onde torna a nascer!
22. O Mundo
Em teu segredo não entre a minh’alma,
nem em teu porto meu navio!
Poemas para Os arcanos menores
Triunfo
(Seis de Paus)
Jaime E. Cannes
O tigre do medo
Agora
É minha cavalga
De sucesso
Domei-o
Para andar pelo mundo
Vivendo
Todas as aventuras
Todos os riscos
Que um dia
Ele me roubou
Agora sou
uma festa
de acontecimentos…
Ahana *
(Rainha de Ouros)
Jaime E. Cannes
A linha dourada do horizonte
Define quem eu sou de leste a oeste
E de oeste a leste toda essa altura
E toda essa largura sou eu.
O sol que desponta vivifica-me
E me mata todos os dias e respiro
Com o vento e com a chuva e o ocre
Odor da terra é meu perfume de vida.
E quem não tiver essa obsessão íntima
Profunda e voraz pela terra jamais
Entenderá meu canto e minha súplica…
Na lua imaginária – e não na lua
Profanada – guardei o saber dos meus
Arcanos queimados pela aurora.
* Ahana, em sânscrito, significa
“amanhecer” e também alude ao
despertar da consciência espiritual.
Sofrimento
(9 de Espadas)
Jaime E. Cannes
Tudo o que chorei
Rasgou a terra
Do meu corpo
Toldou o céu
Do meu pensamento
E abriu no centro
Do meu peito
O claustro límpido
Da gruta interna
Para a meditação
Onde cada lança
Que me feriu
Abriu espaço para
Que eu plantasse
A semente
Do conhecimento
E da libertação…
Caminhada
(2 de Copas)
Jaimme E. Cannes
Eu e tu
Somos dois
Somos no coração
De Deus apenas um
Mas no caminho
De volta
Somos sós
Andamos
Cada qual ao seu próprio modo
Na sua própria estrada
Onde finda e principia
A caminhada
Em nós mesmos
Em silêncio
Somos um
Em nossos corações
Somos dois
Mas para sempre
Em nossas caminhadas
Somos sós.
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