Que não se espere de mim uma descrição acadêmica deste e de nenhum outro arcano. Há muito renunciei a qualquer tentativa de entender cada arcano racionalmente.
Este arcano me atrai muito, particularmente. A circulação de energia lembra-nos de maneira completa a relação de continuidade entre o Yin e Yang, justamente uma visão em que se baseia toda a filosofia da medicina Tradicional Chinesa (MTC).
A visão da carta nos fornece o anjo solar movimentando um fluxo energético (água?) de um recipiente a outro.
Basicamente é isto. A variedade dos desenhos nos leva a crer que os inúmeros autores usam da imaginação para se recordarem das inúmeras correlações de tão extraordinário arcano.
O nome a carta – A Temperança – é muito bem escolhido. Fornece um tom político ao clima do Arcano e nos lembra a sua capacidade de buscar preencher todos os espaços, amainando as eventuais diferenças. É uma visão popular bastante otimista. O outro lado é uma fragilidade de caráter de quem busca os pontos fracos do semelhante e com isso agir de acordo com os seus interesses. Não falemos mais nisto. Não é o objeto deste pequeno artigo, se bem que numa interpretação corrente, não deva ser esquecido.
Duas características do Arcano são lembradas por Wirth. Uma delas é a oposição (ou complementação) com o Arcano IX (O (Eremita) e a outra por ser uma carta fixa, tâmas, receptiva, ou passiva.
Para lembrar o que já foi escrito neste site, sobre Wirth e a importância de seus textos, veja:
– O perfil de Oswald Wirth
– Os indícios reveladores dos segredos do tarô
– Galeria das cartas do Tarô de Oswald Wirth
– Leituras dos pares de arcanos por Flávio Alberoni
Seja lá o termo que se use. De qualquer maneira uma energia que se inicia no Arcano XIII (Morte) , passará pela Temperança e culminará no XV (Diabo). Numa sequência lógica e indefectível.
A complementação com o Arcano IX (Eremita) fornece à Temperança o necessário despojamento para cumprir o que lhe compete. Também fornece o necessário conhecimento e maturidade, sem o qual torna-se um movimentador de energia aproveitador e leviano. Se bem, nunca esquecer, se o Arcano IX estiver invertido ou em evidente conflito, o que tiver a Temperança em sua égide tornar-se um aproveitador de primeira. Bem nos lembramos dos nosso políticos.
Ainda com Wirth, outra característica geral é que pertence a série dual passiva. Isso rege o Yin geral, o orgânico, a essência, o acolhimento por excelência. E muito (por consequência) o lado prático das coisas.
Gosto do desenho. O Anjo solar numa postura perfeita, com uma pequena inclinação da coluna cervical, sugerindo humildade, movimenta a energia de um frasco a outro, sem derramar uma só gota. Vale dizer que a concentração é uma grande característica para cumprir a sua função. Como também a leveza, a simplicidade, o relaxamento muscular, a entrega total ao movimento. A referência às lutas marciais (particularmente Tai Chi Chuan e Qi Cong), bem como alguns tipos de tratamentos de saúde (homeopatia, MTC, florais), não seria mera especulação. Deixaremos o leitor usar também a sua imaginação.
Este processo de circulação de energia causa reflexos importantes. A integração do homem à natureza é em sua parte final, sendo as consequências correlatas que levam exatamente a este processo. Particularmente sinto isso várias vezes quando medito (andando particularmente, quando então a energia do arcano entra em movimento mais facilmente). Chega-se rapidamente a um ponto em que o meu fluxo de pensamentos, aliados primariamente ao processo de respiração, já não me pertence. Eu passo a contemplá-los e me vejo como um mero coadjuvante da energia em momento. Passo a ser apenas uma testemunha do processo e nunca o verdadeiro iniciador.
O ponto mais importante – a relação do Arcano XIV com o Arcano V, é inevitável e deixarei novamente a imaginação dos amigos se movimentar. O link acima pode ajudá-los a encontrar esta correlação.
O poema abaixo talvez auxilie que entendam (e não apenas compreendam) a minha pequena e modesta visão
Embora a energia flua
como água
preenchendo tudo pelo movimento das mãos
não apenas o corpo acompanha
o processo que tem vida própria.
Sinto a vida crescer
pelos dedos. Sinto ressurgir
algo esquecido de antes
e se colocar como ave em voo
nas minhas mãos.
Sinto o fluxo de algo inominável
elevar a mim apenas para não ser eu
que faz, mera testemunha
de algo que não conheço e adoro.
Sou mero objeto no campanário
soando na planície.
Uma gota de água
no oceano da vida.
Não tenho nome
nesse instante, não tenho nome.