Posted by: Vera Vilanova

Aconteceu o impossível: o mundo inteiro sofreu uma rara, súbita e inesperada catástrofe e emudeceu. O barulho produzido pelos homens cessou. A terra ficou silenciosa: um bom efeito colateral da pandemia. Brasileiros que como eu moram nas ruidosas cidades brasileiras estranharam o silêncio produzido pelo confinamento físico e sociossanitário decretado em vários países, em resposta à crise da COVID19. E muitas pessoas também agradeceram. Descobriu-se, imagine, o impensável: é possível viver sem zoada.


O mundo experimentou uma sensação inédita por conta do Coronavírus: o silêncio.O trânsito quase desapareceu e passamos a ouvir as ondas do mar, o vento nos coqueiros e os pássaros que sempre estiveram presentes e cujo canto muitas vezes não conseguimos mais ouvir. Os sinos da igreja próxima ficaram audíveis. Tudo que antes era barulho virou um ruído de fundo, quase longínquo. Mesmo o ruído causado por multidões em uma rua não mais se encontrava ao alcance de nossa audição. Durante a pandemia o silêncio era parte de nosso cotidiano. Agora que o lockdown foi suspenso sinto muita falta do silêncio extra que tivemos nos últimos seis meses. Quando será que o silêncio entrará na “moda” novamente?

 Homem ouvindo as ondas do mar, numa Salvador deserta. Foto de Márcio Rezende para o Jornal Correio (Salvador)
Homem ouvindo as ondas do mar, numa Salvador deserta. Foto de Márcio Rezende para o Jornal Correio (Salvador)

Um antigo ditado popular árabe, hoje fora de uso, dizia “A palavra é de prata e o silêncio é de ouro”. Há muito tempo atrás, pelos idos dos anos 80/90, descobri que o silêncio não é só de ouro, mas é também cravejado de diamantes. Sabe-se que os diamantes não são eternos pois o seu carbono definha com o tempo, mas os diamantes duram sempre mais que qualquer ser humano. E assim como os diamantes são desejados pelas mulheres, o silêncio é ardentemente almejado também por elas, em especial pelas mulheres que têm filhos pequenos e estão trabalhando em regime de home office.


“Parece que viver em sociedade no século 21 é o mesmo que ser constantemente bombardeado pelo barulho, esteja você onde estiver. Como se não bastasse ser a cidade ruidosa por si só, a poluição sonora é potencializada por comportamentos inapropriados que as pessoas adotam no dia a dia. O motoqueiro extirpa o silenciador que vem da fábrica e sai espalhando susto pela cidade com o escapamento barulhento. O motorista buzina cada vez que o sinal abre e/ou quando quer chamar a atenção de alguém. No ônibus, ninguém tem paz porque algum passageiro assiste, sem fone de ouvido, ao vídeo que veio pelo celular. O vizinho de porta aprende a tocar guitarra e, para ouvir melhor os acordes, capricha no amplificador. [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]


“Como o som não respeita muro nem parede, invadimos o espaço alheio com facilidade. A invasão é frequente porque muita gente não se coloca no lugar do outro”, afirma a fonoaudióloga Keila Knobel, pós-doutoranda na Unicamp. Quando ouço o meu cantor favorito, digo que é “música”. Se o vizinho ouve a mesma música e no mesmo volume, chamo de “barulho”. Falta às pessoas educação, respeito e empatia.


“O barulho, mesmo não sendo escandaloso, é interpretado pelo organismo como prenúncio de perigo.Para que a pessoa tenha energia para se defender, suas reservas de açúcar e gordura são liberadas. Esgotado o estoque de energia, surgem cansaço, irritabilidade, estresse, ansiedade, insônia, falha de memória, falta de concentração, gripe e até doenças respiratórias, digestivas e mentais. O barulho produzido pelo homem causa má qualidade do sono, pressão alta e riscos de acidentes vasculares, diabetes, problemas cardíacos e até câncer, como mostram décadas de pesquisas. Sabe-se que barulho é um estressor fisiológico e psicológico”, afirma Marie Pedersen, epidemiologista da Universidade de Copenhague, que estuda efeitos ambientais na gravidez e em crianças com menos de 5 anos. [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]


“Brigar por um ambiente silencioso não é capricho. É questão de saúde. As pessoas começam a perder a audição quando são expostas por períodos prolongados e repetidos a sons a partir de 85 decibéis (o equivalente ao ruído do liquidificador). A morte das células auditivas é lenta e irreversível. A partir dos 60 decibéis (o mesmo que uma conversa normal), o som já é suficiente para agredir o restante do organismo e também prejudicar o equilíbrio emocional”. [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]


O advogado Michel Rosenthal Wagner, mediador de conflitos urbanos, diz que não são raras as ações judiciais envolvendo vizinhos que se estapearam por causa de barulho.


“Ouço, diz ele, que até as 22h o barulho está liberado e que só é preciso fazer silêncio depois disso. É mito. Existem normas que especificam o ruído máximo — ele esclarece. — Também ouço que o Brasil é barulhento porque somos um povo feliz. Outro mito. Felicidade não é sinônimo de barulho. Segundo a ONU, os países mais felizes são os da Escandinávia, onde o silêncio é muito valorizado”.


“Fundador da Quiet Parks Internacional, o ecologista Gordon Hempton, que circulou pelo globo três vezes registrando sons naturais, diz que “quanto mais ouvimos o silêncio mais relaxamos”. De acordo com Hempton, não há nenhum lugar no planeta que seja totalmente desprovido de sons artificiais – o tráfego aéreo com helicópteros hoje é onipresente em, praticamente, toda parte. Mas certos lugares ainda oferecem a chance de sintonizar os verdadeiros sons do silêncio com o mínimo de intrusões. “E o silêncio, ao que parece, não é silencioso – é o som da natureza sem a cacofonia do ser humano”, afirma Gordon Hempton. [Crédito: José Eduardo Mendonça, # Colabora]
Um sério problema é que o acesso à quietude tem a ver com a renda. Invariavelmente são os mais pobres que vivem em áreas industriais, rotas de transporte ou em áreas de poucos metros quadrados com grande número de pessoas. Os mais ricos que podem acessar a tecnologia e serviços diversos, como iFood, entrega de supermercado e farmácias, uso de carros particulares, para levarem uma vida mais calma tendem a ser as pessoas com voz para reclamar de um barulho indesejável. “Áreas mais silenciosas tendem a ser as mais rapidamente gentrificadas“, diz Paavo Virkkunen, Diretor do VisitFinland, principal órgão de turismo do país da Escandinávia. [Crédito: José Eduardo Mendonça, # Colabora]


Para brasileiro alegria rima com zoada, com música alta, vozes estridentes e risadas sonoras. Principalmente a música que tem que ser alta, não só alta, tem que ser muito alta, para que os clientes do meu bar ou da minha festa a ouçam, assim como todas as pessoas que estão em volta do referido local, gostando ou não do ritmo e da letra da mesma. Não existe consciência do incômodo que estamos causando, nem empatia e respeito pelo direito do “outro”.
Na Bahia de todos os barulhos, o que mais me incomoda são as “músicas” tocadas com som estridente nos bares da Orla de Salvador. em especial em Piatã onde moro. Para além do estilo musical, que eu não aprecio, as mesmas são intercaladas por vozes dos “cantores” animando o público, informando o quê e quem vem a seguir, fazendo “gracinhas” e etc. & tal. Fazendo analogia com o título de um livro muito conhecido podemos afirmar que “Viver em Salvador não é para principiantes!” Principalmente se você mora defronte a Orla, ponto predileto dos “alegres e felizes brasileiros “. Vale ressaltar que as principais considerações deste artigo não são aplicáveis aos felizes turistas, que inundam a Bahia no fim do ano, para os quais no verão na Bahia tudo é lindo!, inclusive a impossibilidade de trocar qualquer conversa com o vizinho de mesa. Daí só lhes resta bater papo via WhatsApp.

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