Algumas sugestões e cuidados iniciais
Utilizar as cartas do Tarô em consultas para si próprio ou com amigos constitui um bom exercício prático para desenvolver o pensamento simbólico, a arte de estabelecer analogias. Experimentar aplicar as cartas em leituras leves, num quadro de relações próximas, pode se tornar o passo essencial para superar uma grande dificuldade para os iniciantes: ficar livre dos códigos arbitrários e rituais restritivos comuns em algumas linhas de cartomancia.
A origem das cartas é lúdica. No entanto, para boa parte dos principiantes, o ato de “consultar o Tarô” acaba envolvendo um bom número de dificuldades e de incompreensões que, de modo geral, obscurecem as mensagens simbólicas das lâminas. Os preconceitos e superstições, os rituais e formalismos gratuitos, as apreensões muitas vezes propaladas por aproveitadores, acabam por confundir aquilo que, na origem, era leve, criativo e estimulante.
O Tarô, ao invés de gerar temor, pode se tornar, para cada um de nós, fonte de inspiração e de nova compreensão das leis que regem a vida manifestada e os caminhos evolutivos. Ele é, por isso mesmo, um instrumento de ajuda e não de vaticínios alarmantes.
O conjunto das lâminas pode ser utilizado de modo aberto, não só para previsões, mas também como apoio ao estudo de si-mesmo, de desenvolvimento interior, e até mesmo como apoio terapêutico.
A atitude básica
O iniciante, para ficar mais à vontade e melhor usufruir os benefícios desse jogo secular, é bom livrar-se, em primeiro lugar, de idéias preconcebidas ou superstições: achar que precisa seguir ritos mágicos, formalismos cerimoniais, ou que lidar com o Tarô é assunto para vidente ou paranormal, ou então acreditar que “ler as cartas” significa prever acontecimentos penosos ou sofridos para as outras pessoas.
Na verdade, seria melhor entender as lâminas do Tarô como cartas de um velho sábio, bom amigo, generoso e acolhedor, que nos oferece indicações, sugestões e estímulos renovados para compreendermos nossas vidas, refletirmos sobre as conseqüências de nossos atos e elaborarmos prognósticos e cenários de futuro que poderão nos ajudar a dirigir com maior eficácia nossos empreendimentos na vida exterior e interior.
O ideal é que as consultas sejam feitas com espírito aberto, com naturalidade, dentro dos modelos espirituais e religiosos da pessoa. Não precisamos nos converter a novas seitas para lidar com a linguagem simbólica das cartas. O Tarô foi um presente, sem sectarismo, de escolas antigas para ajudar e não para complicar nossas vidas.
Se o consulente considera importante um gesto de recolhimento antes de trabalhar com as cartas, ótimo. Essa disposição será mais eficaz se inspirada em seus próprios padrões religiosos ou modelos espirituais. Não são as formalidades exteriores que nos preparam, mas sim as disposições interiores.
Escolha das técnicas de tiragem
Existem dezenas e dezenas de modelos para consulta às cartas do Tarô. Não há, porém, uma técnica ou método de tiragem ideal. Varia com o objetivo da leitura e com as preferências individuais. Muitas vezes, modelos simples com três ou quatro cartas podem oferecer maior clareza e objetividade que alguma técnica sofisticada com muitas cartas.
A sugestão, para o iniciante, é começar com os modelos mais simples e, com a prática, repassar as técnicas mais complexas, que por vezes se apóiam em outras linguagens simbólicas como é o caso, por exemplo, da tiragem que segue a ordem das casas astrológicas.
O mais importante de tudo é considerar como simples sugestões os inúmeros modelos de tiragens divulgados pelos livros e pela Internet. Esses formatos deverão ser adaptados à linha de interesse e ao estilo do praticante. Questões como — quantas cartas virar, com quais funções, utilizando qual baralho, todo o jogo de cartas ou apenas parte dele — tudo isso constitui detalhes e variações para o estudante do tarô exercitar, experimentar por conta própria, até alcançar sua própria naturalidade.
Três regras de ouro
Madame Turpaud, autora de Le Tarot de Marseille, oferece muitas sugestões úteis para o iniciante. Ela insiste para não permitirmos que formas rígidas nos limitem. As tiragens devem ser flexíveis e, de preferência, montadas de acordo com as questões e diferentes aspectos que estivermos examinando. Desse modo, três regras gerais podem nos propiciar uma leitura consistente do Tarô:
1ª – estabelecer, antes de retirar cada lâmina do maço, qual o sentido ou função que ela irá ter no jogo; não devemos nos prender a algum modelo fixo de tiragem, mas sim, definir previamente os pontos que queremos entender da questão a ser examinada com as cartas;
2ª – fazer uma “leitura literal” da lâmina, ou seja, verbalizar simplesmente o que a carta está mostrando; é importante não cair na tentação de querer impressionar os outros com revelações surpreendentes;
3ª – buscar, à medida que for desvirando as cartas, estar receptivo às impressões, idéias, intuições e pensamentos fugidios que possam surgir, em ressonância à função previamente atribuída à carta. Quando estamos praticando com amigos é importante, não só expressarmos livremente o que nos ocorre diante das cartas, mas também ouvir a opinião deles, pois isso nos ajudará compreender melhor os significados práticos dos arcanos. Ou seja, é um ótimo caminho de aprendizagem confrontar a nossa leitura com a realidade objetiva que os nossos interlocutores podem trazer para confirmar ou para corrigir nossas interpretações.
Vamos traduzir esses conselhos na prática.
1 – a função da carta: sem complicações
O ideal é que o modelo de consulta siga a “regra numero 1” da Madame Turpaud: atribuir previamente, a cada carta, qual o papel ou função que assumirá na jogada. Se quisermos, por exemplo, compreender uma relação pessoal, profissional ou afetiva, podemos pedir que se tire uma carta para representar uma pessoa e, do mesmo modo, uma segunda carta para representar a outra pessoa. Se o objetivo é conhecer os pontos fortes e os pontos fracos da relação, pediremos uma carta para explicar os pontos favoráveis, propícios, e outra carta para dar conta dos pontos difíceis, que precisam ser trabalhados. Nesse caso, as cartas serão retiradas do maço para dar indicações sobre ângulos bem definidos, o que facilita muito a interpretação…
Muitas vezes a maior curiosidade é pela previsão: saber no que vai dar a relação. Nesse caso, se já tivermos feito sorteio de outras cartas, como no exemplo que acabamos de propor, o consulente pode retirar mais uma carta do maço para ter prognósticos da relação. Mais ainda, quando a atitude não é de fatalismo, mas sim de trabalhar a situação, uma nova carta será a mais importante: o conselho para lidar ou aprimorar a questão.
Se a pergunta estiver clara e se tirarmos uma carta para estudar cada ângulo que julgarmos importante, meio caminho de uma boa consulta já terá sido percorrido.
2 – leitura literal: partir do que se sabe.
Um dos defeitos que “matam” a leitura de uma tiragem do Tarô é atribuir às cartas os lugares-comuns do receituário popular, que reduz tudo a “bom” ou “ruim”. É o mesmo equívoco que também acontece, muitas vezes, com relação aos símbolos astrológicos, em que os signos e planetas são reduzidos a bons ou ruins, maléficos ou benéficos. Essa atitude acaba com a abertura simbólica.
É importante lembrar que as cartas não ditam o destino, mas podem ajudar a esclarecer os pontos a serem trabalhados e assimilados. Portanto, quanto mais rentes estivermos dos desenhos simbólicos das cartas, menores serão os riscos de enganos e desvios da imaginação. A recomendação é a de partirmos da compreensão que temos das cartas, sem invenções. Lembre-se: os adivinhos ou sensitivos, não precisam das cartas, pois recebem informações por outros caminhos. Ou seja, mais que um recurso divinatório, o Tarô pode se tornar, para a maioria de nós, um instrumento para estudarmos e compreendermos as leis que regem os acontecimentos e a vida pessoal.
3 – receptividade: praticar e conferir.
O exercício de pensar simbolicamente não é cultivado no sistema escolar moderno. Pelo contrário, é desestimulado. Desse modo, não precisamos nos sentir desmoralizados ou impacientes diante de nossa dificuldade inicial para “ler” as cartas do Tarô. O caminho é exercitar e praticar leituras, para si mesmo ou para amigos interessados.
A vantagem de praticar entre os amigos é que não precisamos “dar banca” de adivinhos. Aliás, por mais atraente que seja a arte oracular, o Tarô vai além. Entre amigos podemos pensar juntos o significado das combinações das cartas, trabalho que pode ser resolvido pela inteligência e pela prática. Podemos consultar o que dizem os manuais, discutir, pensar, interpretar. É importante também registrar as impressões de conjunto, intuições, vislumbres, lampejos. E depois esperar que os fatos comprovem ou corrijam o que entendemos. Esse caminho prático é seguro e confiável. Podemos aprender com os fatos, sem pretensas adivinhações.
Os significados das cartas
Se a primeira “regra de ouro” mencionada acima for bem aplicada, ajudará a resolver uma dificuldade básica. Entre os que começam a praticar tiragens a dúvida mais comum é a de como traduzir cada carta. Ficam sem saber se devem falar dos aspectos positivos ou negativos. Vacilam na escolha dos significados contraditórios que aparecem nos diferentes livros e autores.
Essa questão é de fato essencial. Não encontraremos uma resposta fácil para ela porque, na realidade, os símbolos são mais amplos, mais profundos e mais repletos de significados do que as limitadas perguntas que fazemos habitualmente. Mesmo que o tarólogo tenha muita experiência, estará sempre diante da dificuldade de reduzir o mundo rico e variado dos arcanos aos limites restritos das nossas formulações.
O que pode ajudar a leitura é definir claramente o que esperamos que a carta indique. Por exemplo, se queremos compreender bem uma situação, tiramos uma carta para esclarecer seus pontos fortes e outra carta para mostrar seus pontos fracos. Nesse caso, levaremos em conta os significados positivos da carta tirada para explicar os pontos fortes. Para traduzir os pontos fracos da situação levaremos em conta os pontos negativos que em geral são atribuídos à carta que foi tirada para explicar esse lado da questão.
É importante, quando estudamos os símbolos do Tarô, procurar conhecer pelo menos três aspectos de cada carta: seu lado luminoso ou positivo; o lado de sombra ou negativo; e o conselho que oferece. Quanto mais amplo for o nosso entendimento, mais fácil será aplicar a carta à função que definimos a ela durante a tiragem.
Arcanos Maiores e/ou Menores?
Tarot ou baralho comum?
Uma outra questão relacionada à técnicas de tiragem é a de utilizar o baralho inteiro ou apenas parte dele. Há aqueles que utilizam o conjunto das 78 cartas (22 Arcanos Maiores e 56 Arcanos Menores, ao mesmo tempo). Os usuários do chamado “Tarô Egípcio” não encontram qualquer motivo para tal separação, pois as 78 cartas foram redesenhadas todas no mesmo padrão dos arcanos maiores, sem clara distinção entre os naipes.
Já entre os que utilizam o modelo clássico, muitos praticantes separam dois maços: um com os arcanos maiores e, o outro, com os menores. E, de acordo com a função que a carta ocupará na tiragem, pedem que o cliente retire cartas ou do monte dos arcanos maiores ou do monte dos arcanos menores.
Dicta e Françoise, por exemplo, sugerem que se comece a consulta com os Arcanos Menores; caso apareça um Ás, significa que a questão é importante e merece ser examinada com a ajuda dos Arcanos Maiores. Para deixar a questão em aberto, podemos lembrar um ponto de vista oposto, o de G. O. Mebes, ao afirmar que os Arcanos Menores falam de um plano mais sutil que o retratado pelos Arcanos Maiores…
Há também aqueles que, com propósito pedagógico ou terapêutico, utilizam apenas as cartas com desenhos mais personificados. Ou seja, deixam de lado as 40 cartas numeradas dos quatro naipes, e utilizam somente 42 cartas (22 arcanos maiores, 16 figuras e os 4 ases).
Do ponto de vista do iniciante, talvez torne o caminho mais simples começar pelos arcanos maiores, mais diferenciados e, por isso, mais diretos para evocarem analogias e significações simbólicas. Ficará para uma segunda etapa a inclusão das cartas numeradas (arcanos menores), mais abstratas e que exigem maior estudo.
A bem da verdade, essa última afirmação vale mais para a nossa atual população urbana, classe média, com formação escolar padrão. Nas pequenas comunidades do Interior brasileiro a história é outra: as mulheres do povo que desempenham o papel de curadoras, benzedeiras e cartomantes, encontram disponível apenas o baralho comum, de carteado, com suas 52 duas cartas (as 40 numeradas em quatro naipes, mais 12 figuras, sem o cavaleiro). E é com esse baralho, sem aparentes evocações esotéricas, que fazem suas leituras e ajudam as pessoas de suas comunidades…
Nada impede, afinal, que se pratique “ler as cartas” apenas com o baralho comum. Aliás, ele é quase completo, quando comparado aos “arcanos menores” do Tarot original: faltam apenas os Cavaleiros. Além disso, o baralho comum tem quase 50% de cartas a mais do que os jogos divulgados por Lenormand, a partir do início do século 19, também conhecidos como “baralho cigano”.
Nunca é demais repetir: não existem regras absolutas para o Tarô. Tal como acontece com os jogos de cartas para o lazer – buraco, tranca, truco, mico, rouba-montinho e por aí afora… – são os participantes que combinam entre si as regras e suas variações, se utilizam todas as cartas do maço ou apenas parte, se jogam com um maço de baralhos ou com dois. O importante é experimentar e verificar, por conta própria, o que faz mais sentido para cada momento de prática e de estudo.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.